quarta-feira, 29 de abril de 2009

"Como se passa de Beato a Santo?"



No You Tube está um vídeo com a letra da Quinta do Bill dos “filhos da Nação”, adaptada ao novel Santo Nuno Alvares Pereira, “simplesmente Nuno”, entre o divertido e o encomiástico. Alguém o fez, como se diz agora, em cima do acontecimento. Não o faria eu, para quem Nuno Alvares Pereira é uma personagem menos presente nos dias de hoje do que Fernão Lopes. Esse não o imagino Santo, mas quero-o lido, e imagino que o seja cada vez menos.

Mas isso sou eu, um intelectual incréu, não é a senhora que invocou um milagre do Beato e foi correspondida, É para mim grande mistério porque razão é que alguém invoca um Beato, em vez de um Santo mais poderoso, ou mesmo as potências do Céu cristão, Cristo, Nossa Senhora, Deus ele próprio. Invocar um Beato é quase um milagre, tanto como o milagre que a Igreja reconheceu que este concedeu por intercessão divina. Mas pelos vistos, resultou: curou-se a senhora e subiu o Beato a Santo.

Sucede que no meio da parentela da minha antiga família havia dois beatos, um deles o próprio Nuno Alvares que agora foi elevado a Santo, e outro, mais próximo na genealogia, o Beato Francisco Pacheco, queimado pelos japoneses em Nagasáqui em 1626. Quando o vejo na sua efígie em Ponte de Lima, com as chamas nos pés, ou quando alguns amigos jesuítas me falam dele como dos “seus”, que o era, pergunto-me muitas vezes como é que se passa desse altar menor de Beato para o altar maior de Santo.

É certo que o meu familiar beato deixou uns escritos de um proselitismo um pouco suicidário, falando do “martírio” com uma atitude que hoje identificaríamos como sendo parecida com os “mártires” do Hamas ou da Al-Qaida, tendo escrito, já em plena perseguição aos cristãos japoneses, frases como esta: “Porém, as esperanças de nos caber alguma boa sorte de martírio nos animam e fazem continuar e fazer da fraqueza forças, esperando essa hora em que nos caiba a ditosa sorte. “ Mas também é certo que não se fez explodir no meio de um restaurante e foi atirado para a fogueira, a “ditosa sorte”, por outros . Mas é gosto demais pelo “martírio” para meu gosto, mas eu já sou muito moderno para entender esta fé.

Dito isto, pergunto-me se alguém rezará pelo Beato Francisco Pacheco? Alguém lhe terá devoção? Alguém lhe pedirá um milagre? Talvez, em Ponte de Lima, mas a terra também é conhecida pela sua ponte romana sobre o Lethes o Rio do Esquecimento. E eu tenho a séria suspeita que também o meu Beato familiar esteja assim esquecido pelos homens, que não por Deus que o tem perto. Não é que eu, agnóstico, não veja já grande honra em ter um beato nos genes, mas a gente deseja sempre o melhor para a família e pode ser que, com um Santo no Paraíso, me possa salvar das penas maiores do Inferno.

José Pacheco Pereira - publicado hoje na Sábado

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