segunda-feira, 25 de maio de 2009

"A Imigração faz falta"


Ainda a propósito da política anunciada do governo sobre este tema, o artigo de Manuel Carvalho no jornal Público:

Se o país não for capaz de manter e assimilar uma população de imigrantes na ordem dos cinco ou seis por cento da população total, no futuro haverá uma factura a pagarRepetindo uma decisão velha e gasta, o Governo acabou há dias a discussão em torno dos imigrantes com o corte nas quotas de entrada. Pode resultar no plano do discurso político, pode ser eficaz para acalmar os instintos básicos do conservadorismo social, e é até natural que alimente nos trabalhadores com vínculos precários a sensação de garantia de emprego reforçada; mas, ao encarar-se a imigração como simples questão de generosidade do país para com os "outros" está-se a cair num erro com consequências graves para o futuro. Em vez de centrar o eixo da mensagem política nas restrições, seria bem mais útil e inteligente avisar que, se não há lugar para uma estratégia de portas abertas, Portugal, como se pode constatar com a leitura do Destaque de hoje, continua a necessitar de imigrantes para resolver o seu problema demográfico e para relançar o seu crescimento económico quando a crise der sinal de tréguas.

Se há uma ideia clara sobre as causas do atraso português na última década, há que a relacionar com a imagem de uma locomotiva nova que arrasta carruagens velhas e decrépitas. A locomotiva que é dirigida pelas elites políticas, empresariais e académicas desconhece muitas vezes o ponto de destino da sua missão, envolve-se em questões acessórias, esquecendo o essencial, e continua amiúde a optar por soluções que mantêm o arcaísmo do comboio em vez de o ultrapassar. As carruagens são, por seu lado, compostas por uma imensa mole de trabalhadores sem qualificação, habituada a conviver com salários que traduzem os custos da sua baixa produtividade, enredada em biscates e outros expedientes que constituem um claro bloqueio à modernização. José Sócrates tentou quebrar os elos deste círculo vicioso, apresentando-se ao país com uma visão transformadora e tecnológica, que, à partida, estava condenada a diluir-se nos problemas estruturais do país. Um pouco mais de saber histórico ter-lhe-ia feito perceber que as soluções impostas de cima para baixo não resultam; as elites também necessitam de estímulo para se empenharem em projectos transformadores.

Vários especialistas têm assinalado que este círculo vicioso pode ser partido, ou pelo menos abalado, através da importação de exemplos do exterior. O investimento estrangeiro, apesar do drama da Qimonda, tem sido fundamental para alterar o perfil de especialização das classes empresariais e para revelar alternativas de organização do trabalho. E os imigrantes, pela sua energia, competências e instinto de sobrevivência, podem instilar na sociedade os valores do empenho, do esforço e da dedicação indispensáveis para que o país fique, colectivamente, mais preparado para sair da letargia dos últimos anos. Quando se abrem as portas, é óbvio que se corre o risco de receber também pessoas com dificuldades de integração ou com propensão para a delinquência. Há que ter os devidos cuidados neste particular. Mas é um erro e uma injustiça não notar que a esmagadora maioria dos que imigraram para Portugal na última década constitui um bom exemplo para a comunidade.

Querer limitar o papel importante que tiveram no país é um sinal de negação destas virtualidades. É óbvio que, muito mais do que as quotas, o que empurra as correntes migratórias é o crescimento económico e o emprego, bens que Portugal não tem muito para oferecer por estes dias. Mas além da realidade que recomenda cautelas, é pouco produtivo resumir uma estratégia política para os imigrantes a quotas e restrições. Por razões de solidariedade humanitária, como recorda a esquerda, mas também por puro egoísmo nacional. Se o país não for capaz de manter e assimilar uma população de imigrantes na ordem dos cinco ou seis por cento da população total, no futuro haverá uma factura a pagar. A prazo, seremos menos, mais velhos, mais pobres e, pior ainda, a ruminar no vício da falta de ambição que é, em grande medida, a principal marca do país que somos.

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