sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

"Lisboa" - poema de Fernando Pessoa

Accordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Accordar da rua do Ouro,
Accordar do Rocio, às portas dos cafés,
Accordar,
E no meio de tudo a gare, a gare que nunca dorme,
Como um que tem que pulsar através da vigília e do somno.

Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo logar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os logares são o mesmo logar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os logares a frescura que sobe por tudo
E

Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um enthusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria
por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ella a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ella a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja


Fernando Pessoa

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