sábado, 26 de maio de 2012

"COISAS DA SÁBADO: CATÁLOGO DAS NOVAS CULPAS"


O estado de pecado no homem não é um facto, senão apenas a interpretação de um facto, a saber: de um mal-estar fisiológico, considerado sob o ponto de vista moral e religioso. O sentir-se alguém «culpado» e «pecador», não prova que na realidade o esteja, como sentir-se alguém bem não prova que na realidade esteja bem. Recordem-se os famosos processos de bruxaria; naquela época os juízes mais humanos acreditavam que havia culpabilidade; as bruxas também acreditavam; contudo, a culpabilidade não existia. (Friedrich Nietzsche)

Ser pobre é uma culpa.
(Significa não ser competitivo, ser preguiçoso, depender dos subsídios, explorando as novas gerações e hipotecando o seu futuro.)

Ser funcionário público é uma culpa.
(Viver a expensas dos contribuintes.)

Ser desempregado é uma culpa.
(Não ser competitivo no mercado de trabalho, não se ser “empreendedor”.)

Ser desempregado de longa duração é uma culpa.
(Sinal de preguiça e não-“ajustamento”. Condição sensível à “pieguice”.)

Ser desempregado com mais de quarenta anos é uma culpa.
(Não se ter “adaptado” a tempo. Condição sensível à “pieguice”.)

Ser desempregado com vinte anos é uma culpa.
(Não ter escolhido uma formação com “empregabilidade”.)

Ter estudado História é uma culpa.
(Escolher ser não-empregável.)

Ter estudado Filosofia é uma culpa.
(Escolher ser não-empregável.)

Ter estudado Literatura é uma culpa.
(Escolher ser não-empregável.)

Ter estudado Sociologia é uma culpa.
(Escolher ser não-empregável.)

Ser de “humanidades” é uma culpa.
(Escolher ser não-empregável.)

Viver mais do que sessenta e cinco anos é uma culpa.
(Ameaça à segurança social por via das reformas.)

Exercer os seus direitos legais à reforma é uma culpa.
(Significa pensar que se tem direitos quando não se tem nenhum. As carreiras contributivas para a segurança social são mais úteis para controlar o défice.)

Ter nascido entre 1940 e 1950 é uma culpa.
(Fazer parte da geração maldita dos anos sessenta que tem todas as ideias erradas.)

Ter nascido entre 1950 e 1960 é uma culpa.
(Fazer parte da geração maldita dos anos setenta, a segunda em perigosidade depois da dos anos sessenta.)

Ter nascido entre 1960 e 1970 é uma culpa.
(É a geração do “cavaquismo”, como se sabe, um resquício de um PSD “social-democrata” anacrónico.)

Ter nascido entre 1970 e 1980 é uma culpa.
(Idem.)

Estar vivo e adulto em 2012 é uma culpa.
(Viveu-se “acima das suas posses”.)

Estar vivo no 25 de Abril de 1974 é uma culpa.
(Veja-se este comunicado da JSD: “”o sucesso da marca do 25 de Abril e da conquista da democracia será tanto maior quanto menos depender dos agentes da mudança de 1974..”)

Não pensar que o 25 de Abril é uma “marca”, é uma culpa.
(Sinal de “corporativismo” a favor de uma marca duvidosa.)

Ter direitos sociais é uma culpa.
(O que é bom é ser-se contra os direitos, em particular quando a família é rica.)

Não ter uma família rica é uma culpa.
(Significa que os pais e os avós já não foram competitivos, genética errada.)

Ser sindicalizado é uma culpa.
(Fazer parte das forças do bloqueio antiquadas que resistem ao “ajustamento”.)

Viver fora de moda é uma culpa.
(Significa não querer ser competitivo.)

Duvidar do modo como somos governados é uma culpa.
(Ser-se “socratista” ou “velho do Restelo”.)

(Podia continuar sempre.)

José Pacheco Pereira in Abrupto

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