quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O Estado de Israel - Opiniões

A propósito do eterno problema israelo palestiniano, Boaventura de Sousa Santos escreveu um artigo chamado Acusemos Israel que tem tido bastante eco entre aqueles que, de alguma forma, condenam as atrocidades que Israel tem cometido durante os últimos anos e, em particular, nos últimos dias contra o povo palestiniano.

De uma maneira geral, estou de acordo com as opiniões de Boaventura Sousa Santos no que respeita ao desenvolvimento económico mundial, à crise financeira mundial, às desigualdades e, até, a algumas das propostas que tem feito para solucionar os atuais problemas nacionais, europeus e mundiais.

Contudo, no que respeita ao conflito entre a Palestina e Israel não partilho das suas opiniões. Pessoalmente, sou a favor da existência de dois estados, de acordo com as resoluções da ONU. Penso ser a única forma justa de se conseguir uma paz duradoura nesta região.

É por isso que publico a opinião do meu amigo Alan Stoleroff, judeu e militante da causa palestiniana. Identifico-me completamente com ela:

Caro Boaventura,

Li a tua crónica.

Como sabes, exerço a minha actividade dedicada à luta contra a ocupação e bloqueio e pela auto-determinação do povo palestiniano identificando-me consciente e politicamente enquanto judeu e sempre farei. Faço isso por várias razões: em primeiro lugar, porque rejeito que o Estado de Israel cometa crimes contra a humanidade e de guerra em meu nome, em nome dos meus antepassados e no bom nome do povo judaico que sofreu séculos de perseguição e o Holocausto do século XX; em segundo lugar, por solidariedade comprometida e activa com o povo palestiniano contra a ocupação e o genocídio – defendo com a minha pessoa os direitos desse povo à sua auto-determinação, sobretudo se os seus opressores sejam do meu povo; terceiro, por razões pedagógicas: judeus que rejeitam a ocupação deslegitimam as justificações mentirosas da ocupação israelita.
Portanto, assim com este prefácio, digo-te francamente que não concordo com a tua mensagem e acho que fazes muitas confusões contraproducentes.

  1. Jewish Voice for Peace não é uma rede antisionista de judeus; pelo contrário, a perspectiva predominante é a de querer acabar com a ocupação para recuperar de alguma forma alguma legitimidade de um estado democrático de Israel. Existem algumas redes ou organizações antisionistas de judeus mas essa não é um exemplo. Se fosse antisionista, ela não teria o eco que tem entre judeus progressistas nos EUA. Isso posso garantir-te e se fosse antisionista, a AIPAC teria facilidade em destruí-la com um discurso McCarthyista. A perspectiva predominante na JVP é sionista no sentido de aceitar a legitimidade e o valor de um estado israelita democrático que não ocupa um outro povo e que respeita o direito internacional.
  2. Acho a tua insistência antisionista contraproducente e desnecessária. É possível e necessário condenar os crimes de Israel com o mesmo direito internacional que consagra o direito à sua existência.
  3. Acho simplista o teu discurso antisionista quanto à criação do estado de Israel e acho que fazes confusões históricas. Uma coisa é a associação histórica do colonialismo europeu com o movimento sionista de colonização dos primeiros "Aliyahs" mas o "sionismo" que resultou de deslocações de população refugiada do Holocausto europeu é outra coisa e não pode ser descolorido de preto e branco. Há uma história complexa e trágica envolvida aqui que não pode ser simplesmente negada e tratada de forma maniqueísta.
  4. Quanto aos mitos fundadores do sionismo, sim, há vários, mas negar a história do povo judaico citando Sand é simplista e provavelmente errado.
  5. Atribuir a responsabilidade pela inépcia das decisões que resultaram na partição da Palestina à Inglaterra e os EUA – como se fosse uma vontade do imperialismo norte-americano – é um erro. Além das relutâncias dos americanos e a divisão entre os ingleses, esqueceste do papel da grande USSR, papel esse que não se limitou ao momento dessa decisão no Conselho de Segurança, apesar da subsequente campanha anti-semítica do Tio Estaline em que judeus dos regimes soviéticos foram condenados à morte ou campos de concentração com base na acusação de cosmopolitismo ou sionismo simplesmente porque eram judeus, ou simplesmente porque Estaline precisava de mais um alvo para manter o totalitarismo.
  6. Acho que fazes confusões de interpretação com respeito à produção da Declaração Balfour e às propostas quanto à colonização sionista em Uganda e Argentina. Sobre este último ponto, é óbvio que essas propostas eram efémeras e inaceitáveis ao movimento sionista no seu conjunto: não podia haver movimento ou projecto sionista sem referência ao Sion (Israel-Palestina)!
  7. A tua referência à substituição de Israel e Palestina actuais com um estado "secular, plurinacional e intercultural" é infelizmente uma utopia. Gosto de utopias mas não quando impedem a solução imediata de problemas reais. Desde a primeira "revolta árabe" sob o Mandato britânico os dois povos têm vindo a lutar existencialmente pela Palestina e a governação incompetente britânica e os erros da partição em 1947 condenaram os povos a uma guerra civil. Todos os acontecimentos desde então, com raras excepções exemplares de co-existência e co-operação na sociedade civil judia e palestiniana, contrariaram o sonho da emergência de um estado único secular, bi-nacional e democrático. Como não acho desejável a manutenção de um estado de guerra, a melhor solução é a solução consensual ao nível internacional: o fim da ocupação e a criação de um estado soberano palestiniano nos territórios ocupados em 1967, a resolução justa do direito de retorno dos refugiados palestinianos, e a normalização e pacificação das relações inter-estatais na região. Para os judeus e árabes de Israel e Palestina restará sempre a luta pela democratização dos seus países e pela paz e co-operação entre os seus países.
De toda a maneira a tua ideia de extinguir o Estado de Israel parece-me absurda e negativa. Em primeiro lugar pela razão que já exprimi: é necessário condenar os crimes de Israel E é possível E necessário condenar os crimes de Israel com o mesmo direito internacional que consagra o direito à sua existência. Em segunda lugar, porque não será necessário proclamar a extinção de Israel se Israel continuar com a sua orientação genocida e expancionista; Israel, assim, enquanto estado democrático acabará por sempre e será alvo de forças destruidoras externas e internas e não aguentará. É só com o fim da ocupação e a normalização com base no direito internacional que Israel terá uma hipótese de sobrevivência no médio e longo prazo e é essa realidade que tem que convencer os próprios israelitas, nomeadamente judeus, e os judeus do mundo, que é preciso aceitar uma paz justa e duradoura e acabar com a estupidez e loucura que têm sido a base da sua política desde 1967.

Com todo o respeito vou divulgar este comentário crítico do teu texto a outros.

Saudações,

Alan Stoleroff

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