terça-feira, 12 de julho de 2016

"Só falta Portugal conquistar Jerusalém" - Alexandra Lucas Coelho


Depois do que vi no domingo, mesmo sem televisão e a vários milhares de quilómetros, do Terreiro do Paço à cave da última conciérge de Paris, é chegada a hora de Portugal cumprir o sonho que o levou aos quatro cantos do planeta.

1. Creio estar no lugar certo para dizer isto, não planeei, mas aconteceu. Por motivos profissionais tenho pensado bastante no Encoberto, e acho que é chegada a hora. Depois do que vi no domingo, mesmo sem televisão e a vários milhares de quilómetros, do Terreiro do Paço à cave da última conciérge de Paris, é chegada a hora de Portugal cumprir o sonho que o levou aos quatro cantos do planeta, às sete partidas do mundo e, para chegar em forma ao Campeonato do Mundo, conquistar já a derradeira taça, essa Taça da Cristandade que é Jerusalém. Fernando Santos, Cristiano Ronaldo, Pepe, Rui Patrício, Éder, Renato Sanches (nada de cortar as rastas, por favor), estou à vossa espera, aqui debaixo da minha nogueira. Uma oliveira seria mais bíblico, mas será tudo vosso de qualquer forma, Logo iremos ao Monte das Oliveiras, e ao poente, que é mais bonito. Tragam só o repelente, que este ano os mosquitos estão terríveis (é sério).

2. Os judeus têm aquele ditado, no próximo ano em Jerusalém, mas isso agora calha bem é aos franceses, multiplicando por quatro. Alô, francius, vemo-nos em 2020, e rezem para não jogar com Portugal logo. Quem mandou mudarem-se todos para Lisboa? Estava-se mesmo a ver que em breve Lisboa seria uma quinta-coluna no reinado gaulês. Vão mas é treinando os abdominais a ver se chegam aos calcanhares de Ronaldo, e adieu. Depois do Assírio, do Persa, do Grego e do Romano, o Quinto Império será já este ano, e português, claro, como antevia o padre Vieira na sua História do Futuro, no seu Clavis Prophetarum, desde os calabouços da Inquisição. Chega de esperar, chega de nevoeiro, chega de Encobertos, é o momento. Imagino que, lá no sítio onde Deus guarda os reis de Portugal depois de mortos, até D. Manuel chorou no domingo, quando aquele francês que tem um nome parecido com peyote transformou Ronaldo num Cristo. D. Manuel, ele que tanto quis levar a grandeza de Portugal ao Bastião da Cristandade, terá certamente reconhecido em Fernando Santos (repararam no nome?) o Último dos Cruzados. E, depois da Vitória, o mister confirmou a profecia, lendo aquela carta escrita muito antes de 10 de Julho, em que ele já começava dizendo: “Quero agradecer a Deus Pai por este momento e por tudo na minha vida” e terminava com o desejo: “Ir falar com o meu maior Amigo e sua Mãe. Dedicar-lhe esta conquista e agradecer-lhe por me ter convocado e concedido o dom da sabedoria, da perseverança e da humildade para guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado. Por tudo o que faço, espero e desejo seja para Glória do Seu Nome.” Mister Fernando Santos, é Portugal inteiro mais a diáspora que lhe agradece, e creio que todos agora lhe entregariam de coração esta nova Conquista. Tem tempo de pensar no Campeonato do Mundo, vá ver a família, dar uns mergulhos, e entretanto acarinhe esta ideia, com afecto, como diria o presidente Speedy Gonzalez, aka Marcelo. Nem precisa de se preocupar com Meca, que quando Afonso de Albuquerque tentou não deu lá grande resultado. Esqueça o Mar Vermelho, se por acaso estava a pensar nisso, parece que as praias são boas, mas aquilo está sempre um bocado engarrafado. Vá antes pela Portela, e guie de lá os moços até Jerusalém. Parece que agora no Verão há voos directos duas vezes por semana, domingo, depois quinta. Olhe, quinta é um dia óptimo, véspera de dia santo para os não-cristãos, fica tudo aberto até mais tarde, pão fresquinho à noite, e o que é um bom cristão sem pão? Quando chegarmos a domingo já o senhor tem a Taça. Além disso, o Santo Sepulcro está em obras, tudo cheio de andaimes, muito esconderijo, vai ser canja.

3. Não percebo nada de futebol, mas é como religião. Gosto de ver os jogadores como as aldeias gostam de ver as procissões, porque é bonito de ver, as pernas, os abdominais, o tronco de Ronaldo, as rastas de Renato Sanches, o redemoinho de Rui Patrício. É bonito de ver quando marcam golo, aquele monte de homens a atirarem-se uns para cima dos outros. E sobretudo é bonito ver quem gosta de futebol a ver futebol, conhecidos e desconhecidos, toda a gente (menos hooligans apoiantes do Brexit). Fico feliz que estejam felizes, que acreditem, começo logo a chorar (juro pela minha saúde). Nem posso ver coisas como no domingo, lembro-me das pessoas de quem gosto que gostam de futebol, e se alguma coisa corre mal, o que elas vão sofrer. Uma aflição. Então não vejo, fico a torcer para que corra tudo bem, para elas serem felizes.

4. E como se viu no domingo, fé e futebol são tão inseparáveis como Portugal e o Quinto Império, pelo menos do ponto de vista dos actuais Campeões da Europa e do seu mister, futuros condecorados com a Ordem de Mérito. Aqui, debaixo da minha nogueira, suspeito aliás que Marcelo aka Speedy Gonzalez também estava destinado a ser o presidente de todos os portugueses no 10 de Julho. Estou a imaginá-lo em Jerusalém a acordar antes do primeiromuezzin, do primeiro rabino, a pôr o statu quo do Santo Sepulcro num virote, tudo a mexer, com muito afecto. Ainda não me tinha ocorrido, mas é fascinante pensar na aplicação de Marcelo ao conflito israelo-palestiniano.

5. Porque, vejam bem, ainda há isso. Ao conquistar Jerusalém, Portugal acabará com este imbróglio que forçou todos os líderes americanos, europeus, árabes, até mesmo alguns israelitas, a dizer que o queriam solucionar, quando nenhum deles, claro, tinha a menor intenção de o fazer. O Quinto Império do Mundo, essa Era do Bem que reinará por mil anos até ao Juízo Final, vai finalmente pôr fim a este fartote que tanto emprego criou ao longo das décadas, tanta comissão, tanta cimeira, tanto telegrama, tanto fax, tanto telefonema de Tony Blair para Bush, tanto email pessoal de Hillary Clinton. Fernando Santos irá ao Muro das Lamentações, à Esplanada das Mesquitas e finalmente ao Santo Sepulcro onde os guardiões ortodoxos da Cristandade hoje teclam nos seus smartphones, sentados junto à coluna que diz Ò To the Holy Tomb (que me caia uma noz na cabeça se não é verdade). A todos pedirá Confiança, União neste momento decisivo da Humanidade, fará ouvidos moucos aos descrentes, aos trocistas, e jurará só ir embora no último dia de 999 da Era do Bem. Segue-se o Juízo Final, mas não vale a pena estarmos a pensar agora nessa parte. Façamos como D. Manuel, e aquela fatia messiânica da sua corte que acreditava na Derradeira Cruzada, ou como o seu descendente D. Sebastião, que também lá estará, no lugar onde Deus guarda os reis de Portugal, ou o seu descendente D. João III, em cujas mãos o padre Vieira depositou o Quinto Império. Todos eles tiveram Fé, sem estarem a pensar no problema do Juízo Final. Mil anos dá para muitos Campeonatos da Europa e do Mundo, e o Encoberto já deixou de o ser: chama-se Fernando Santos, tem consigo toda a Humanidade que fala português com sotaque de Portugal ou luso-descendente, e ainda o embaixador dos EUA em Lisboa. Ficou algum português de fora? Pacheco Pereira? Que venha também, mesmo sem ver a bola, isto aqui é tudo gente do Livro. Porque onde o padre Vieira achou que tudo (re)começaria em 1666, o que afinal estava escrito nas estrelas era o Ano da Graça de 2016.


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