sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

«A América primeiro!» - Serge Halimi


Donald Trump rompeu com os seus antecessores logo no primeiro discurso como presidente. Prometendo, com tom arrogante e punho cerrado, que o slogan «America first» («A América primeiro») resume a «nova visão que governará o país», anunciou que o sistema internacional criado há mais se setenta anos pelos Estados Unidos passará a ter como única função servir este país. Ou então terá o definhamento como destino. Esta franqueza perturba a tranquilidade das outras nações, em particular europeias, que fingiam acreditar na existência de uma «comunidade atlântica» democrática, regulada por arranjos mutuamente vantajosos. Com Donald Trump as máscaras caem. Num jogo que sempre pensou ser de soma nula, o seu país pretende «ganhar como nunca», quer se trate de partes de mercado, de diplomacia, de ambiente. Que a desgraça recaia sobre os perdedores do resto do planeta.

E adeus aos grandes acordos multilaterais, em particular comerciais. Moldado pelas recordações de estudante da década de 1950, o novo ocupante da Casa Branca rumina há décadas a fábula que pretende que a América sempre se terá comportado como o Bom Samaritano. Desde 1945, a América teria «enriquecido outros países», os quais, debaixo do guarda-chuva protector deste país, «fabricaram os nossos produtos, roubaram as nossas empresas e destruíram os nossos empregos» [1]. É claro que algumas grandes fortunas autóctones sobreviveram à «carnificina» que ele descreve, entre as quais o seu próprio império de residências de luxo que se espalhou pelos quatro continentes. Mas estas argúcias pesam pouco à vista da reviravolta ideológica que está a desenhar-se: o presidente dos Estados Unidos aposta que o seu proteccionismo «vai trazer uma grande prosperidade e uma grande força», numa altura em que, no Fórum Económico do Davos, o dirigente do Partido Comunista Chinês propõe substituir-se à América como motor da globalização capitalista [2]…

O que diz a Europa? Esta, já em vias de fragmentação antes da mudança de orientação de Washington, fica a ver passar os comboios e aguenta, desamparada, as respostas grosseiras do seu padrinho. Donald Trump, que suspeita (com razão) que a Europa está dominada pelas escolhas económicas da Alemanha, congratulou-se com o facto de o Reino Unido ter decidido abandoná-la e despreza as obsessões anti-russas dos polacos e dos bálticos. O mesmo é dizer que os dirigentes do Velho Continente, que há vários anos renunciaram a qualquer ambição contrária aos desejos do seu suserano americano, se arriscam agora a encontrar fechada a porta da embaixada dos Estados Unidos onde iam recordar a sua lealdade[3]. Nada garante que o unilateralismo de Trump os force a renunciar finalmente ao biberão do atlantismo e ao dogma do comércio livre para caminharem com as suas próprias pernas. Mas o ano eleitoral em França e na Alemanha mereceria ter como desafio esta exigência.

sexta-feira 3 de Fevereiro de 2017

Notas

[1] Há já trinta anos, a 2 de Setembro de 1987, Donald Trump comprou uma página de publicidade nos três grandes diários americanos da costa Leste para aí publicar uma carta aberta intitulada «Por que deve a América deixar de pagar para defender países que têm meios para se defenderem a si próprios».

[2] «China says it is willing to take the lead», The Wall Street Journal Europe, 24 de Janeiro de 2017.

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