domingo, 26 de fevereiro de 2017

Sahara - '“É muito difícil viver como estrangeiro no próprio país”'


Sidi Fadel tem 32 anos e reside atualmente em Londres onde é analista de sistemas numa empresa sediada em Cambridge. Fundou a Adala.Uk, uma ONG de Direitos Humanos que tem como missão principal a elaboração de relatórios que denunciam a violência exercida sobre os presos políticos saharuis vítimas de maus tratos e agressões por parte das autoridades marroquinas.

O que o levou a sair do Sahara Ocidental?

Todos nós desde pequenos vamos compreendendo que Marrocos pretende dizer-nos que a ocupação continuará a promover o assentamento ilegal e a trazer numerosos colonos para o Sahara Ocidental, para que nos transformemos apenas numa memória, uma recordação no nosso próprio país.

Mas foi isso que ditou a sua saída?

A vida é quase insportável nos territórios ocupados e o futuro é uma incógnita. As forças ocupantes impõem restrições severas à liberdade de circulação da população saharaui e movem uma perseguição implacável a todos os que defendem o direito à autodeterminação. Não temos direito de manifestação e a prática da tortura é uma arma utilizada para nos paralisar através do medo.

Esta é a realidade existente nos territórios ocupados, que abrange metade da população saharaui. Os restantes foram expulsos da sua terra em 1975, aquando dos ataques militares.

Sendo ativista dos Direitos Humanos dos saharauis, como é que atua a partir de Inglaterra para fazer chegar as suas mensagens à comunidade internacional?

Como disse, eu sou um ativista e também presidente da Adala UK, que tem sede em Londres e membros espalhados por vários países.

O nosso trabalho está centrado na realização de ações de sensibilização sobre o conflito no Sahara Ocidental, através da denúncia de violações dos Direitos Humanos nos territórios.

Desta forma, trabalhamos com muitos ativistas saharauis que estão no Sahara Ocidental e em Marrocos. O nosso trabalho passa pela organização e também participação em eventos designadamente no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Enviamos cartas e pedidos aos Governos e também às pessoas com capacidade para tomar decisões e trabalhamos com instituições que recolhem informações relacionadas com violações dos Direitos Humanos.

Fazemos igualmente entrevistas com vítimas ou parentes das vítimas da violência que grassa nos territórios ocupados para elaborarmos os respetivos relatórios e assim chamar a atenção das entidades internacionais para os problemas que existem na região.

Qual o caminho para chegar mais rapidamente à autodeterminação?

Pelo menos as Nações Unidas, já confirmaram historicamente a validade do direito à autodeterminação do povo saharaui em mais de 100 resoluções e também têm condenado a ocupação marroquina.

Pessoalmente, não perdi a fé na comunidade internacional, embora esteja dececionado pelo atraso na implementação das suas resoluções sobre o referendo, que é um sentimento comum a todos os jovens saharauis.

Esta deceção preocupa-me bastante, porque há muitos saharauis querem voltar à guerra. Espero que o processo para o referendo seja impulsionado o mais rapidamente possível, porque se ele continuar adiado podemos voltar a ter um conflito armado.

Cujas consequências seriam imprevisíveis.

A guerra nunca é solução e neste caso é preciso não esquecer que ela afetaria primeiro os dois povos, o saharaui e o marroquino, além de criar uma grande instabilidade em todo o Sahel.

Num quadro como o que acaba de referir, o processo de autodeterminação poderia sofrer ainda mais atrasos?

Se tal acontecesse abríamos ainda mais o caminho aos grupos de terroristas e traficantes de drogas que o exército da RASD está a tentar conter para evitar que a segurança na área fique ainda mais fragilizada.

Por outro lado, a guerra iria também perturbar de forma negativa a União Europeia, o que agravaria ainda mais a instabilidade que atravessa todo o espaço europeu. Para concluir, poderei dizer que pegar em armas está longe de ser a solução para resolver os problemas existentes no Sahara Ocidental.

Na sua opinião o Sahara Ocidental tem futuro como nação independente?

O meu sonho é viver sem medo e em paz e que os meus familiares que fugiram aos bombardeamentos e assassinatos levados a cabo pelo exército marroquino em 1975 contra os saharauis quando ocuparam o meu país possam finalmente voltar à sua terra. No fundo desejo ardentemente o regresso de todos os saharauis, os que estão nos acampamentos de refugiados e aqueles que se encontram noutros países.

Posso acrescentar que voltar à nossa terra ocupada converteu-se num ato de cultura, que é transmitido de geração em geração, com os mais idosos a darem força aos mais jovens para que estes não deixem de lutar pelo direito de regressar para junto daqueles que lhes são mais queridos.

Posso concluir que está optimista?

Apesar das dificuldades, não devemos desistir. Historicamente convém lembrar que os marroquinos foram recebidos pelos franceses no seu próprio país durante quase 100 anos, tal como outros povos. Mas no fim, a verdade vence a mentira e as razões sujacentes à ocupação são isso mesmo..uma mentira. Esta colonização já tem mais de 40 anos mas é preciso não esquecer que há povos que foram subjugados durante muito mais tempo e acabaram por conquistar a sua liberdade.

Que sentimentos tem quando visita o seu país?

Sinto que não é difícil viver como estrangeiro num país que não é o nosso, mas é muito difícil viver como estrangeiro no nosso próprio país.

Que mensagem gostaria de deixar à comunidade internacional?

Enquanto ativista, quero recordar à ONU que as manifestações que se estão a realizar em várias partes do mundo, evidenciam a importância da promoção dos Direitos Humanos pelas Nações Unidas porque só desta forma poderemos acabar com a impunidade daqueles que não respeitam as regras da sã convivência entre os povos. Por outro lado, gostaria de sublinhar que sem uma ação internacional determinada, as perspetivas para uma paz justa e duradoura para o meu povo continuarão a ser uma miragem.

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