segunda-feira, 28 de maio de 2018

Morte assistida: a minha opinião


Eu ainda sou do tempo em que os opositores à despenalização da interrupção voluntária da gravidez diziam que essa mesma despenalização iria levar ao aumento de abortos no país. O tempo veio demonstrar que não tinham razão: não só os abortos diminuíram como passaram a ser feitos com condições de higiene e segurança, sem atentar à liberdade de consciência dos médicos.

Agora sou, infelizmente, do tempo daqueles que se apresentam contra a despenalização da morte assistida com argumentos verdadeiramente arrepiantes: parece que viremos a ter um qualquer estado tipo nazi em que a eutanásia passa a ser prática, em que deficientes e idosos vão ser descartados pelo estado e por um SNS que, como não tem camas nos hospitais, vai passar a praticá-la como remédio para quem sabe que não vai viver muito tempo. Ou dos familiares que não conseguem acartar com o peso de ter alguém de quem tratar.

Também há os que defendem que é preciso é apostar no aumento da esperança de vida, como se não houvesse quem com pouca idade não tenha nenhuma esperança de viver.

A escolha de morrer ou não morrer é de cada um e mais ninguém. A escolha de prolongar o sofrimento é da sociedade. Não sou a favor da morte fácil. Se vir alguém a querer atirar-se para debaixo de um comboio, a primeira coisa que faria era tentar que não o fizesse. Se alguém padecer de uma vida insuportável de dor sem remédio, de desespero na sua infelicidade, não sou eu que vou dizer para lhe prolongar a vida se quiser morrer.

Aqueles que, bem, defendem a liberdade individual como supremo valor não deviam ser os mesmos a defender que não se pode morrer como se quiser.

A minha morte é comigo e quero ter o direito de a escolher.

Percebo os argumentos de quem possa ter dúvidas e respeito-os, mas, por favor, respeitem os meus.

Ser a favor da despenalização da eutanásia não é ser a favor do assassinato, como alguns parecem querer fazer crer.

Ser a favor da despenalização da eutanásia não é colocar nas mãos de qualquer um o direito a tirar a vida.

Ser a favor da despenalização da eutanásia é dar a cada um o direito de morrer com a dignidade que quiser.

Tal como a despenalização do aborto não obriga nenhuma mulher a abortar, a despenalização da eutanásia não obriga ninguém a morrer sem ser de forma "natural".

"China’s Smart Trade Moves" - Zhang Jun


China has already shown itself to be handling US trade pressure in a much more savvy way than Japan did in the 1980s. Far from laying the groundwork for a protracted recession, China’s response – increasing imports and accelerating domestic structural reforms – will support high-quality long-term growth.

domingo, 13 de maio de 2018

1968 em Fotografia - Bruno Barbey








Bruno Barbey

Lettre de Charles Baudelaire à Gustave Flaubert


Tous deux nés la même année, Gustave Flaubert (12 décembre 1821-8 mai 1880) et Charles Baudelaire (9 avril 1821-31 août 1867), deux géants de la littérature, ont vu leur chemin se croiser à plusieurs reprises, en témoigne cette lettre.

Mon cher Flaubert,

Je vous remercie bien vivement de votre excellente lettre. J’ai été frappé de votre observation, et étant descendu très sincèrement dans le souvenir de mes rêveries, je me suis aperçu que de tout temps j’ai été obsédé par l’impossibilité de me rendre compte de certaines actions ou pensées soudaines de l’homme sans l’hypothèse de l’intervention d’une force méchante extérieure à lui. – Voilà un gros aveu dont tout le 19e siècle conjuré ne me fera pas rougir. – Remarquez bien que je ne renonce pas au plaisir de changer d’idée ou de me contredire.

— Un de ces jours, si vous le permettez, en allant à Honfleur, je m’arrêterai à Rouen ; mais comme je présume que vous êtes semblable à moi et que vous haïssez les surprises, je vous préviendrai quelque temps d’avance.

— Vous me dites que je travaille beaucoup. Est-ce une cruelle moquerie ? Bien des gens, sans me compter, trouvent que je ne fais pas grand chose.

Travailler, c’est travailler sans cesse ; c’est n’avoir plus de sens, plus de rêverie ; et c’est une pure volonté toujours en mouvement. J’y arriverai peut-être.

Tout à vous Votre ami bien dévoué.

CH. BAUDELAIRE

"O comum nos mortais" - Rosalvo Almeida


Dizer que quem ajuda a acabar com um sofrimento, antecipando uma morte certa e próxima, está a matar é um eufemismo invertido.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"Maio, uma esperança de oceano" - Serge Halimi


É um momento precioso na vida de um povo. A tampa das leis sociais levanta-se. De repente, a resignação e os hábitos tornam-se assuntos de reflexão, e a seguir são postos em causa. O «rio das cidades cinzentas, e sem esperança de oceano» [1], encontra-se com outros, ilumina-se; e todos se juntam ao mar. O «porque não?» sucede ao «é como é!». Um contágio das sublevações – há cinquenta anos ainda não se falava de «convergência das lutas» – recorda que a história não acabou, que as reformas e as revoluções que a moldaram muitas vezes quiseram abolir a obrigação de obedecer e de suportar.

Em Maio de 1968, o ensaio geral não foi seguido de uma estreia. Uma sublevação marcada por uma das maiores greves operárias da história da humanidade teve até a sua posteridade manchada, porque as suas encarnações mais mediatizadas foram aquelas que correram pior. O dirigente estudantil Jacques Sauvageot, cuja vida foi ceifada no passado mês de Outubro, foi, pelo contrário, um dos rostos mais luminosos do movimento de Maio e, em consequência, dos mais irrecuperáveis. Ele viu neste movimento o «produto de colectivos que agiram numa perspectiva que ultrapassava as individualidades» [2]. Lembrou que os insurrectos de então reflectiam sobre a abolição do capitalismo, questão que, lamentava ele, «já não é colocada por muita gente». Ele e os seus camaradas recusavam uma «modernidade» mais fundada na racionalização do trabalho do que na sua partilha, ou na partilha das riquezas. A globalização a que eles aspiravam visava o «desenvolvimento necessário da solidariedade internacional», não a circulação cada vez mais rápida das mercadorias. Por fim, em Maio de 1968, o que eles pretendiam era combater um poder que pretendia, já nessa altura, «fazer da universidade uma empresa rentável» [3].

Estas memórias relativizam o novo discurso dominante que gostaria de constituir a oposição entre um progressismo cultural arraçado de Maio de 68 – que seria encarnado por Emmanuel Macron, Angela Merkel ou Justin Trudeau – e uma «democracia iliberal» à maneira húngara como o marcador de todos os confrontos políticos. É que, apesar das suas diferenças, o pluralismo das sociedades abertas e o autoritarismo nacionalista encontram-se para preservar o sistema económico e as relações de dominação dele decorrentes [4]. Apresentar o presidente francês como símbolo internacional da moderação democrática face aos «extremos» é, de resto, um paradoxo curioso numa altura em que ele afronta os sindicatos, põe em perigo o direito de asilo e parece ter como principal ambição que os «jovens franceses tenham vontade de se tornarem multimilionários».

Macron tinha previsto comemorar o Maio de 68. Essa festa teria sentido, mas se feita contra o «velho mundo» que ele representa. Esse mundo que, passados cinquenta anos, ainda se lembra do medo que sentiu e pretende completar a sua vingança.


Notas
[1] René Crevel, Détours, La Nouvelle Revue française, Paris, 1924.
[2] «Mémoire combattante: quelques écrits de Jacques Sauvageot», Contretemps, n.º 37, Paris, Abril de 2018.
[3] Segundo as palavras do reitor Jean Capelle, ao analisar um plano governamental de 1966 sobre o ensino superior.
[4] Ler Pierre Rimbert, «De Varsóvia a Washington, um Maio de 68 ao contrário», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Janeiro de 2018.


Dia da Vitória! - 9 de maio