quinta-feira, 29 de outubro de 2015

"Felizmente há Luaty" - Ricardo Araújo Pereira


O caso da prisão de Luaty Beirão e dos seus amigos revela mais uma vez a verdadeira face do regime angolano: um regime bondoso, justo e preocupado com o bemestar dos seus cidadãos. Os activistas foram presos por estarem a ler um livro, o que constitui um dos mais engenhosos incentivos à leitura de que me lembro.

O programa Ler +, do nosso Ministério da Educação, empalidece junto do programa Ler -, levado a efeito pela polícia angolana. É sabido que os jovens nutrem especial predilecção pelas actividades clandestinas. Se o Estado os incentiva a ler, lêem menos; se proíbe a leitura, em princípio, lêem mais. É raro o aluno que lê com gosto as obras de leitura obrigatória, nos programas escolares portugueses, mas aposto que todos gostariam de saber mais acerca das obras de leitura proibida pelo regime angolano. Eu próprio, que considerei indigesta a obra "Eurico, o Presbítero", que me obrigaram a ler, já encomendei o livro "From Dictatorship to Democracy, A Conceptual Framework for Liberation", que o regime angolano não deseja que seja lido.

Enquanto a proibição da leitura não produz o seu efeito benéfico no povo, o regime angolano vai estimulando de outra maneira os usos imaginativos da linguagem através de eufemismos criativos. De acordo com a televisão angolana, Luaty Beirão não está a fazer greve de fome, antes adoptou "um comportamento diferente em relação aos alimentos".

O mundo, por vezes, sabe ser agreste, e as palavras certas podem torná-lo um pouco mais delicado. Se, no futuro, e de forma absolutamente inédita, o regime angolano se vir forçado a matar um cidadão (por exemplo, como castigo por um crime grave, como ter lido mais de um livro), pode sempre alegar que o cidadão em causa não foi assassinado, apenas adoptou um comportamento diferente em relação às funções vitais.

Além de dar atenção à cultura, o regime angolano não descura a economia e cria riqueza. Por enquanto, apenas entre os amigos e a família do ditador, mas é preciso dar tempo ao tempo. A filha de José Eduardo dos Santos é a mulher mais rica do continente africano. Mas, devido à acção do governo do pai, quem tiver 100 dólares no bolso transforma-se quase automaticamente num dos homens mais ricos de Angola.

Em todo o mundo, haverá poucos países em que seja tão fácil ascender ao restrito número dos mais ricos.

Sem comentários: