quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ainda a propósito da austeridade

Petição - "Manter a comparticicpação dos neurolepticos e antidepressivos para os doentes de evolução prolongada"


Manter a comparticicpação dos neurolepticos e antidepressivos para os doentes de evolução prolongada

Petição - "Pela revogação do brutal aumento do custo dos medicamentos"


Pela revogação do brutal aumento do custo dos medicamentos

"Le Petit Prince" - 26

O Cinema está de luto - Tony Curtis - (03/06/1925 - 30/09/2010)





Tony Curtis

James Dean - 55 anos!



terça-feira, 28 de setembro de 2010

Ainda Sakineh Mohammadi Ashtiani

El hijo de Sakineh pide ayuda a la Unión Europea

Recomendações da OCDE para Portugal

As oito recomendações da OCDE para mudar Portugal

1) AUMENTO DE IMPOSTOS
Paga o Zé

2) SALÁRIOS CONGELADOS
Paga o Zé

3) CORTE NOS BENEFÍCIOS E DEDUÇÕES FISCAIS
Paga o Zé

4) REVISÃO DO SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
Paga o Zé

5) MAIS COMPETITIVIDADE E FLEXIBILIZAÇÃO LABORAL
Paga o Zé

6) CONTROLO E TRANSPARÊNCIA NAS CONTAS PÚBLICAS
Paga o Zé

7) EDUCAÇÃO NO TOPO DA AGENDA
Paga o Zé

8) INFRA-ESTRUTRURAS DE TRANSPORTES SÃO ESSENCIAIS
Paga o Zé

O tal Sr. Mercado, de que já falámos aqui, continua a ser o herói nacional.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"Hoje é o último dia de Teresa Lewis"


Esta mulher vai morrer esta noite às 02:00 locais por injecção letal. Passados 98 anos, no estado da Virgínia, nos Estados Unidos da América, uma mulher vai ser punida com a pena de morte.

Quem, como eu, tem lutado por Sakineh Mohammadi-Ashtiani não pode ficar indiferente a este acontecimento. Sakineh é iraniana e o Irão não é particularmente conhecido como um país em que os Direitos Humanos sejam respeitados. Os EUA, pelo contrário, consideram-se campeões da sua defesa. A luta de Sakineh é também a luta de Teresa e de todos aqueles que, em muitos países do mundo, ainda são assassinados pela própria "Justiça" dos seus países.

Aqui fica a sua história no Jornal de Notícias, Le Figaro e The Washington Post

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Outono

"Le Petit Prince" - 25

20 de Setembro - Dia Mundial sem carro


O Dia Mundial Sem Carro é um movimento que começou em algumas cidades da Europa nos últimos anos do século XX, e desde então vem se espalhando pelo mundo, ganhando a cada edição mais adesões nos cinco continentes. Trata-se de um manifesto/reflexão sobre os grandes problemas causados pelo uso excessivo de automóveis como ...forma de deslocação, sobretudo nos grandes centros urbanos, e um convite ao uso de meios de transporte sustentáveis - entre os quais se destaca a os transportes públicos andar a pé e andar de bicicleta.

Este movimento defende que a opção das cidades em favor do automóvel é errada por trata-se de um meio de transporte altamente poluidor e destruidor do espaço urbano. Como alternativa, propõem a reconversão das cidades para favorecer meios sustentáveis de mobilidade, elegendo a bicicleta e os meios de transporte públicos e colectivos como expressão da sustentabilidade. Cidades com menos trânsito automóvel permitiriam que as pessoas caminhassem mais, transformando os espaços públicos e alcançando um novo conceito de qualidade de vida.

Livro Recomendado - "A volta ao dia em 80 mundos"

World Press Photo - 1995 - Lucian Perkins


Foto de Lucian Perkins

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Óscares - a história dos melhores filmes em posters - 1948



Realização de Laurence Olivier

2010 - Bi-centenário de Chopin - 33

Curiosidades da língua portuguesa - "Rir a bandeiras despregadas"


Rir a bandeiras despregadas

Significado: Rir aberta e sinceramente; rir com muita vontade e prolongadamente.

Origem:“«Bandeiras despregadas» significa «velas (dos navios) ao vento», «bandeiras desfraldadas» ou «bandeiras ao vento».
A expressão «rir a bandeiras despregadas» significa «rir aberta e sinceramente como nos dias de festa». É fácil compreender que as bandeiras podem estar atadas antes dos dias festivos para não se rasgarem. Chegado o dia marcado para a festa, as bandeiras são desatadas para serem agitadas pelo vento.”

Grandes Fotógrafos - Lewis Hine - "Child Labour - 1908/1920"



Lewis Hine

Italo - 19 de Setembro de 1985

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

"Facebook: Unfriend Coal "

Help us get Facebook to unfriend coal

Download:
FLVMP43GP

"Não à associação do Queer Lisboa com o criminoso apartheid israelita!"


Não à associação do Queer Lisboa com o criminoso apartheid israelita!
Pela rejeição imediata do apoio da embaixada israelita ao Festival!
Concentração frente ao cinema São Jorge, Avª da Liberdade, Lisboa, 6ª feira, 17 de Setembro, 19h.

Divulguem e compareçam!


Inicia-se na próxima 6ª feira a 14ª edição do Queer Lisboa, Festival de Cinema emanado do movimento LGBT (lésbico, gay, bissexual e transgénero) e da sua mobilização contra as discriminações em função da orientação sexual e da identidade de género em Portugal, logo, merecedor do nosso apreço e da nossa solidariedade. Nesta edição, porém, tal como nos últimos três anos e apesar de alertas que já lhe foram dirigidos no ano passado, o Festival propõe-se receber apoio financeiro e institucional da embaixada israelita em Lisboa.

Este apoio não é inocente. Corresponde ao que tem sido o comportamento da representação de Israel noutros países relativamente ao tema LGBT, denunciado pelos próprios movimentos LGBT em Israel como uma política coordenada para transmitir internacionalmente a ideia de que Israel é um oásis de tolerância no que toca aos direitos LGBT, e uma nação respeitadora dos Direitos Humanos e do direito internacional, ocultando assim a ocupação da Palestina e as sistemáticas violações dos direitos dos palestinianos.

Assim, um conjunto de colectivos - LGBT, feministas, anti-racistas, pela paz no Médio Oriente e outros -, em coordenação internacional com colectivos e activistas congéneres israelitas, palestinianos, do estado espanhol, canadianos, norte-americanos ou italianos, entre outros, decidiu convocar uma Concentração frente ao cinema São Jorge, Avª da Liberdade, Lisboa 6ª feira, 17 de Setembro, 19h

Não à associação do Queer Lisboa com o criminoso apartheid israelita!

Pela rejeição imediata do apoio da embaixada israelita ao Festival!

Esta não é uma acção contra o Queer Lisboa, contra a mostra de filmes israelitas ou a vinda de realizadores de Israel, e muito menos 'anti-Israel', mas sim pela paz para todos os povos do Médio Oriente, pelos direitos do povo palestiniano e contra as violações sistemáticas dos Direitos Humanos por Israel. É precisamente por prezarmos o Queer Lisboa e o seu significado que não queremos vê-lo associado a este apoio. Por isso mesmo, esta semana, também o cineasta canadiano John Greyson, premiado na última edição do Queer Lisboa, uniu a sua voz à nossa reivindicação, solicitando a dissociação do Festival relativamente ao apoio desta embaixada, sob pena de não permitir a exibição do seu filme, prevista para dia 21 na presente edição do Festival.

Sem pretendermos negar os avanços duramente conquistados pela comunidade LGBT em Israel (não extensivos aos habitantes dos territórios ocupados por Israel) nos últimos anos, ou as atitudes repressivas da homossexualidade em alguns outros países do Médio Oriente, esta utilização abusiva da temática LGBT faz tábua rasa dos avanços igualmente conseguidos em países árabes da região, bem como da intervenção dos movimentos LGBT nesses países, negando que também em Israel a homofobia continua a ser estrutural em grande parte da sociedade, enquanto contribui para recusar os direitos humanos mais básicos à população palestiniana dos territórios ocupados, qualquer que seja a sua orientação sexual ou identidade de género.

Não podemos esquecer que não existe liberdade de género ou de sexualidade quando se é discriminado com base na etnia e se vive sob ocupação militar, confinado a bantustões de terra, cercado por muros da vergonha, privado de bens essenciais, sujeito a checkpoints, demolições de casas e a bombardeamentos.

Falamos de um apartheid israelita, porque Israel é um país fundado na ideia de diferentes direitos para povos diferentes, negando aos palestinianos o direito de regresso às suas terras, ocupando a Faixa de Gaza e a Cisjordânia e tratando de forma diferente os palestinianos residentes em Israel. Sem surpresa, Israel foi o último e melhor “amigo” do apartheid sul-africano mesmo até ao momento da sua abolição.

É por esta política de violação sistemática dos Direitos Humanos que Israel é actualmente alvo de uma campanha mundial de Boicote, Sanções e Desinvestimento que se tem traduzido em diferentes áreas, à semelhança do boicote a que foi sujeita a África do Sul durante os anos da segregação racial naquele país. Em Junho passado, a indignação internacional pelo ataque do exército israelita a um navio turco que transportava ajuda humanitária destinada à Faixa de Gaza, durante o qual foram assassinados nove activistas desarmados, veio reforçar a mobilização para este boicote, bem como o seu sucesso crescente.

Respondendo ao apelo de 170 organizações da sociedade civil palestiniana, incluindo múltiplos intelectuais e artistas palestinianos, israelitas e de todo o mundo pela implementação de um boicote cultural internacional ao estado de Israel e às suas políticas criminosas, o movimento LGBT tem agido em vários países. Na Marcha do Orgulho de Madrid deste ano, a organização decidiu vedar a participação a grupos sionistas, enquanto a última edição do Festival de Cinema LGBT de Toronto, Canadá, recusou pela primeira vez o apoio da Embaixada de Israel.

Outro exemplo nesta área foi o Festival de Cinema de Edimburgo, que recusou o apoio da embaixada local e procedeu à devolução do dinheiro.

Compete ao Queer Lisboa a dissociação imediata do apoio desta embaixada e a recusa do dinheiro do apartheid israelita.

Contamos com a vossa presença!

"Francisco Ribeiro: O violoncelista que adorava cantar"

"Adoro cantar, a voz é o meu segundo melhor instrumento e já tinha feito algumas vocalizações com os Madredeus", recordou Francisco Ribeiro, em declarações à agência Lusa em Junho de 2009, a propósito da gravação do álbum "A Junção do Bem", no âmbito do novo projecto musical Desiderata, que dirigia e em que assumia a interpretação vocal de alguns temas.

"Queer Lisboa 14" - Há Cinema em Lisboa!

Queer Lisboa 14

sábado, 11 de setembro de 2010

11 de Setembro - 9 anos






11 de Setembro de 1973



Violência e golpe em Santiago

Como a sangrenta subida ao poder dos militares chilenos liquidou Allende e seu socialismo

"Tencha, a situação tornou-se grave. A Marinha se sublevou."
(Telefonema de Allende a sua mulher, "Tencha", às 7h40 de terça-feira, em Santiago.)

"Ramón, a situação é gravíssima."
(Telefonema de Allende ao embaixador do Chile em Buenos Aires, Ramón Huidobro, às 10h30 de terça-feira.)

Pela razão ou pela força, ensina a divisa do emblema nacional do Chile. "Como é claro e azul teu céu", canta o Hino Nacional. Finalmente, após três anos de inviabilidade política, 45 dias de paralisação econômica e a exaustão de todas as combinações partidárias que ainda seria possível imaginar, os símbolos do país conduziram ao golpe. Na manhã da última terça-feira, o céu brilhava claro e azul em Santiago, e a razão nada mais podia. Restava a força, e ela foi empregada com uma severidade inédita na história recente da América Latina. A gravidade que o presidente Salvador Allende anunciava em seus últimos e dolorosos telefonemas não poderia ter sido mais verdadeira. Pouco depois ele estava morto, a sua "experiência socialista" no Chile sepultada, e o continente, em estado de choque, assistia ao que foi provavelmente seu golpe militar mais violento desde a derrubada de Perón na Argentina, dezoito anos atrás.

"Não vou renunciar. Pagarei com a minha vida a liberdade do povo. Tenho certeza de que meu sacrifício não será em vão. Este é o meu testamento político." Do Palacio de la Moneda, no coração de Santiago, cercado por tanques, soldados e carabineiros, a voz cansada de Allende falava pela última vez aos chilenos, pelas ondas da Radio Magallanes, a emissora comunista. Era quase meio-dia, relata a enviada especial de VEJA a Santiago, Dorrit Harazim, e os jatos da Fach, a Força Aérea Chilena, que acabariam reduzindo a escombros os salões presidenciais, já roncavam nos céus da capital. Selava-se, nesse instante, o destino de Allende e de seu Chile socialista, com uma furiosa explosão de violência que em 48 horas de fogo cerrado pulverizou o governo de esquerda e deixou milhares de mortos através do país.

Augusto Pinochet

No final da semana, com os últimos focos de resistência aparentemente postos fora de combate, a Junta Militar que deu o golpe e rege com poderes praticamente absolutos os destinos de 10 milhões de chilenos dava mostras de estar solidamente entrincheirada no poder. Na falta de um palácio presidencial - o existente não oferece condições de habitabilidade, depois do tratamento que recebeu terça-feira - a Junta instalou-se no Ministério da Defesa para um governo de duração ainda desconhecida. Seus quatro membros - general Augusto Pinochet, do Exército, o chefe supremo, almirante Toribio Merino, da Marinha, brigadeiro Gustavo Leigh, da Aeronáutica, e general Cesar Mendoza, do Corpo de Carabineiros - e seu Ministério de seis generais - dois contra-almirantes, um vice-almirante, dois coronéis, um brigadeiro e dois civis - contam, basicamente, com um compromisso: incinerar todos os vestígios possíveis do falecido governo da Unidade Popular.

CARRO TROCADO - O regime esquerdista, asfixiado por uma lenta agonia, entraria finalmente em coma na manhã da terça-feira da semana passada. Desde o início, o dia não prometia nada de bom para Salvador Allende. Às 7 horas ele deixou sua casa no número 200 da rua Tomás Moro, no bairro de Las Condes, mas não conseguiu completar o trajeto até o Palacio de la Moneda no seu Fiat 600, placa BF-80: no meio do caminho, por razões de segurança, teve de trocar de condução, passando para um tanque preto e branco do Corpo de Carabineiros. A precaução, motivada por rumores de uma iminente rebelião na Marinha, logo se revelaria bem fundamentada. As 7h30, 10 minutos após o seu marcial desembarque no palácio, Allende recebia a confirmação da notícia - num momento em que, por via das dúvidas, já estava escrevendo um discurso para denunciar o assédio ao governo.

O levante tinha ocorrido no porto de Valparaíso, a partir da base naval comandada pelo truculento almirante Merino, e Allende iniciou imediatamente um discurso pelo rádio, com a esperançosa declaração de que em Santiago as tropas "estavam aquarteladas". Na verdade, já se tratava do feroz movimento que iria depô-lo algumas horas mais tarde, e o presidente, após concordar com alguns assessores que seu governo estava à "beira do precipício", telefonou para sua mulher Hortencia "Tencha" Bussi proibindo-a de sair de casa: "Eu vou ficar aqui. Você permanece em Tomás Moro".

Pouco depois das 8 horas Allende faria sua última aparição em público. Apressado, parecendo tão curioso com a crescente movimentação militar em torno de La Moneda quanto os surpresos transeuntes que começavam a se concentrar nas redondezas, o presidente emergiu na janela de sua sala de despachos para espiar rapidamente os tanques que ronronavam a seus pés, na Plaza de la Constitución. A última imagem de Allende em vida ficou gravada em poucas fotos e alguns pés de filme: de casaco esporte, sem gravata, ele deu um aceno para os poucos que estavam na praça e sumiu no interior do palácio, de onde só sairia morto.

'TENDO EM CONTA...' - A essa altura, contingentes inteiros em farda de combate eram despejados do prédio do Ministério da Defesa, vizinho a La Moneda, soldados começavam a tomar posição nos jardins da Plaza Bulnes e outras ruas adjacentes, e os tanques apertavam seu cerco em torno do palácio. Por volta das 8h30 finalmente a população tomou conhecimento pela primeira vez da existência de uma Junta Militar de governo.

Uma voz que se tornaria extraordinariamente familiar para toda a nação, no decorrer das 48 horas seguintes, anunciou pelo rádio o "bando" número 1, primeiro comunicado de uma prolífica série enumerada e expedida pela Junta. O tom era inconfundível. "Tendo em conta a gravíssima crise..." "...as Forças Armadas e os Carabineiros decidem que o presidente deve entregar imediatamente seu cargo às Forças Armadas e aos Carabineiros".

Pelo manual latino-americano do golpe de Estado a história poderia ter perfeitamente acabado aí: o presidente, sem cacife militar para continuar no jogo, toma o rumo do exílio, e os golpistas se instalam no palácio. Desta vez, entretanto, nada correu de acordo com esses consagrados usos e costumes. Allende tomou a raríssima decisão de não se entregar, e o golpe deixou a órbita do folclore para encaixar-se no das grandes tragédias políticas. Enquanto a Junta tratava de se apoderar rapidamente de todas as rádios disponíveis e motoristas retiravam com manobras apressadas os carros que acabavam de estacionar no centro da cidade, o presidente chileno começava a viver o ato final de seu governo e de sua existência.

De fato, às 10h30 em ponto - após ter silenciado um discurso de Allende pelo rádio, feito vôos rasantes sobre La Moneda e ocupado os principais pontos de Santiago -, a Junta anunciou um ultimato: se o presidente não se rendesse em 30 minutos o palácio seria bombardeado pela Força Aérea. As 11 horas, quando vencia o prazo, o vasto portão principal de La Moneda foi aberto sob a mira dos tanques instalados na Plaza de la Constitución. E os jornalistas que testemunhavam a cena pelas frestas de janelas do Hotel Carrera - posteriormente transformado em ímã para todo tipo de tiros - viram surgir, silenciosamente, os primeiros pares de braços levantados, com um lenço branco de rendição nas mãos.

Ao todo, foram 27. E, entre eles, estava o infeliz general José María Sepúlveda, derrubado pelo levante militar de seu cargo de diretor-geral do Corpo de Carabineiros. Como seus companheiros de rendição, Sepúlveda não carregava o passaporte do golpe: um lenço cor de laranja distribuído nas primeiras horas da madrugada a todos os membros do Exército, para evitar que esquerdistas se infiltrassem em suas fileiras, usando uniformes roubados nos dias anteriores.
PIQUES PRECISOS - "Mas Salvador Allende não se encontrava entre as figuras quietas, dramáticas, que desfilavam com a cabeça erguida pelo asfalto da rua Teatinos, até desaparecerem de nossas vistas", relata Dorrit Harazim, uma das testemunhas instaladas no Hotel Carrera. A voz do presidente ainda seria ouvida mais uma vez, na última transmissão clandestina da Radio Magallanes. Pouco depois, ao meio-dia, com 60 minutos de atraso sobre o ultimato e quando já se começava a descartar a possibilidade de sua execução, dois jatos Hawker Hunter da Fach surgiram sobre Moneda e, em piques precisos, lançaram as primeiras duas bombas de 50 quilos sobre o palácio presidencial.

Nos prédios vizinhos, relata a enviada especial de VEJA, a terra tremeu, as vidraças se estraçalharam, os lustres despencaram do teto. Através da fumaça e da poeira que os dois jatos deixaram em seu rastro, contudo, podia-se ver La Moneda ainda intacto. Segundos depois, com meticulosidade cronométrica, seguiram-se uma segunda, uma terceira, uma quarta dose de bombas de 50 quilos. Apenas na quinta vez o cinzento, maçudo palácio construído em 1786 se rendeu a fogo.

E às 12h30, completada a missão de quinze bombardeios, as chamas finalmente se apossavam de todos os cinco janelões da ala direita, enquanto as primeiras labaredas rompiam o teto e passavam a arder em céu aberto.

Último símbolo de um Chile em extinção, a bandeira hasteada no mastro central do palácio ainda sobrevivia intacta. Mas não por muito tempo. No lugar dos bombardeios aéreos, catorze tanques e dezenas de canhões, bazucas, morteiros, metralhadoras e fuzis passaram a atirar ferozmente contra o palácio, em salvas que se alternavam a cada 2 ou 3 minutos. Como não se pôde perceber, em momento algum, qualquer resistência vinda de dentro do palácio, todo esse dilúvio de fogo foi se tornando progressivamente incompreensível. E pouco antes das 14 horas, com o que restava da bandeira colado ao metal derretido do mastro, o portão frontal lembrando uma caverna, os balcões iluminados pelo fogo e o miolo do palácio às claras com o desabamento parcial do teto, era impossível imaginar que houvesse sobreviventes.

PONCHO BOLIVIANO - Havia sobreviventes, mas não o principal deles - ao entrarem finalmente no palácio, os soldados encontraram o corpo de Salvador Allende caído sobre um divã no segundo andar, ao lado de uma poça de sangue e uma metralhadora com a inscrição: "A seu amigo e companheiro de luta Salvador, Fidel Castro". Quatro horas e meia depois, às 18h30, colocado numa maca e coberto por um modesto poncho boliviano, o cadáver do presidente era carregado para fora de La Moneda e desaparecia numa autópsia militar (um pedido de autópsia regular, feito pelo Partido Democrata Cristão, foi sumariamente ignorado pela Junta) e numa cerimônia semi-secreta de sepultamento no dia seguinte, na vizinha estância balneária de Viña del Mar.

Como morreu Allende? Até a sexta-feira os fatos ainda estavam nebulosos, mas nesse dia um relato da Agência Latina, obtido junto às quinze últimas pessoas que viram Allende vivo, indicava que o presidente tinha se suicidado e esclarecia as dramáticas 7 horas vividas em La Moneda entre 7 da manhã e 2 da tarde da última terça-feira. Segundo este relato, Allende teria recusado quatro ofertas de rendição feitas pelos militares através do telefone - na primeira delas, inclusive, o general Pinochet teria lhe garantido um avião e salvo-condutos para ele, sua família e assessores. "Não faço acordo com traidores", disse Allende a Pinochet, no primeiro telefonema, por volta de 9 horas. Com um capacete de aço na cabeça, calças escuras e um suéter branco, o presidente se empenharia nas horas seguintes em afastar para fora do palácio o maior número possível de pessoas - especialmente um grupo de mulheres, entre as quais sua filha Beatriz. Ao ponderar que cairia em poder dos golpistas ao deixar o palácio, podendo tornar-se assim um instrumento de chantagem para a rendição, Beatriz ouviu do pai a frase solene: "Se você for feita refém, serei eu quem pedirá que a matem. Não vou me render".

POR ÚLTIMO - Mas Beatriz não foi feita refém, nem executada - juntamente com sua irmã Isabel e sua mãe "Tencha", acabou encontrando refúgio na Embaixada do México, de onde seguiria para Cuba, após ter saído de La Moneda. Dentro do palácio, Allende vivia seus instantes finais. Às 11h30 recusou uma última oferta do insistente general Pinochet e suportou em silêncio com um pequeno grupo de amigos e guardas pessoais o bombardeio aéreo e terrestre que arrasava o prédio. Às 13 horas o secretário de Imprensa Augusto Olivares resolveu matar-se com um tiro na cabeça. Pouco depois um grupo de quatro sitiados saiu para negociar sem sucesso uma suspensão do fogo (os militares, alegando a presença de franco-atiradores nas redondezas, não aceitaram a proposta). Às 13h45, encerrado finalmente o bombardeio, um pelotão de infantaria conquistou o palácio, entrando pela porta da rua Morande, número 80.

Enquanto os soldados davam seus primeiros passos dentro de La Moneda, Allende dava suas últimas ordens como presidente da República. Instalado no segundo andar, ele mandou que seus remanescentes companheiros descessem e se entregassem ao pelotão, a essa altura já no andar de baixo. "Deixem as armas, levantem as mãos e rendam-se ao Exército", disse Allende. "Eu vou sair por último." Por volta das 14 horas, quando começavam a descer a escadaria para render-se, os guardas pessoais ouviram um disparo de metralhadora no andar de cima: Allende, conclui o relato, acabava de se suicidar.

CASA SAQUEADA - A partir daí, um novo mistério - o destino dado ao corpo do desafortunado presidente - viria se somar à espessa nuvem de dúvidas que envolveu Santiago nas primeiras 48 horas após o golpe. A questão acabaria sendo respondida na sexta-feira por Hortencia "Tencha" Allende, ao relatar a saga que viveu desde o momento em que recebeu o primeiro telefonema de seu marido, na manhã de terça-feira, até asilar-se na Embaixada do México, no fim do dia seguinte. "Tencha", cujas relações com o marido andavam atribuladas nos últimos tempos - segundo o comentário corrente em Santiago, os dois continuavam a viver juntos mais para manter as aparências - mal tivera tempo de retornar de uma viagem ao exterior quando se viu envolvida no drama que a deixaria viúva e quase lhe custava a própria vida.

A mulher de Allende voltara no domingo do México e, por volta de 11h30 de terça-feira, após três horas de angústia na sua residência da rua Tomás Moro, começou a viver uma aventura inédita: aviões passaram a bombardear sistematicamente a casa, que depois de semidestruída acabou sendo saqueada. "Os aviões lançavam seus foguetes e depois voltavam às suas bases para reabastecer", contou Hortencia Allende. "Havia cheiro de pólvora, fumaça, destruição..." Numa interrupção dos ataques, ela conseguiu fugir da casa através de um colégio de freiras que existe no fundo e dali, sem ser seguida, correu para esconder-se na casa do economista Felipe Herrera, morador das vizinhanças. Era o momento em que, em La Moneda, Salvador Allende se preparava para morrer.

No dia seguinte, "Tencha" teve de enfrentar a dura prova do sepultamento. Convocada inicialmente a um hospital militar, recebeu os pêsames de um general e em seguida foi levada à base aérea militar do Grupo 7, onde um avião estava à sua espera. "Imaginem o que vi", relatou Hortencia Allende. "Um ataúde, no meio do avião, coberto com uma manta militar..." Acompanhada de dois sobrinhos, uma cunhada e diversos oficiais, "Tencha" voou então para Viña del Mar, onde seria realizado o sepultamento de Allende, no jazigo familiar do cemitério Santa Inês. O avião pousou na Base Aérea de Quinteros, o esquife foi colocado num furgão e o pequeno grupo rumou apressadamente para o cemitério.

Em nenhum momento, contou a mulher de Allende, os militares deixaram que ela visse o corpo de seu marido alegando, sem maiores detalhes, que o caixão estava soldado. "Salvador Allende não pode ser enterrado de forma tão anônima", gritou ela a um dos oficiais. Mas foi. "Tencha" não pôde fazer mais do que jogar umas flores sobre o ataúde, para logo ser embarcada de volta a Santiago e a um asilo na Embaixada mexicana. Nas últimas horas tinha ficado viúva, sua filha Beatriz partira para Cuba e sua casa era um monte de ruínas.

CORDÕES - Além da residência de Allende, houve outros alvos de bombardeios. A Embaixada de Cuba, onde teria morrido, ao tentar asilar-se, o líder mais radical e polêmico do Partido Socialista, Carlos Altamirano, também foi atacada. A sede do Partido Comunista foi arrombada e invadida a tiros, e presos seus 23 ocupantes. E segundo uma lista publicada no "El Mercurio" de quinta-feira - único jornal a circular, juntamente com o tablóide "La Tercera de la Hora" - até as 16 horas do dia anterior as Forças Armadas haviam ocupado mais de vinte pontos esquerdistas de Santiago, em grande parte para "reduzir extremistas armados". Enfim, havia alguma resistência.

No dia do golpe e nos dois seguintes, ainda se ouvia o matraquear de metralhadoras e dos disparos de fuzis dos soldados tentando liquidar franco-atiradores instalados nos telhados de edifícios de vários pontos da capital. O distante som de bombardeios prolongados em locais diferentes indicava que havia combates mais duros. Houve batalhas de uma violência desconhecida pelos chilenos, nas tomadas da Universidade do Chile e da gigantesca fábrica de tecidos Sumar, estatizada por Allende e um dos bastiões principais da militância governista. Mas uma resistência generalizada, proporcional ao poderio militar empregado pelas Forças Armadas, jamais existiu.

A combatividade de uns poucos, na verdade, esbarrou na força dos canhões e dos tanques. Mais que isso, os "cordões allendistas" não contavam realmente senão com raros e esparsos elos.

No Chile, além dos protagonistas da resistência vã, poucos acreditavam nela. No exterior, porém, jornais afirmavam em manchetes que o general Carlos Prats, ex-comandante do Exército, apóstolo da legalidade, amigo pessoal de Allende e esperança derradeira das esquerdas, assumira o comando da resistência e marchava do sul para Santiago. Na sexta-feira, o próprio Prats, de paletó esporte e gola rulê, rosto abatido e mãos sob a mesa, afirmava na televisão jamais ter participado de atividades públicas desde que se afastou do comando do Exército e do Ministério da Defesa. E revelou sua intenção de abandonar o Chile, o que fez no sábado, quando se retirou para a Argentina.

COMUNICADOS - A primeira noite do Chile sob nova tutela acabou sendo de insônia nacional. Todas as comunicações com o exterior estavam cortadas. As fronteiras com o Peru e a Argentina, fechadas. E as contas bancárias dos residentes no país, congeladas por tempo indeterminado, dificultando ainda mais eventuais tentativas de fuga. A normalmente escassa comida praticamente desapareceu. Coroando tudo, reinava a mais absoluta ignorância do que se passava no país, nas cidades, na casa vizinha. Na quarta-feira, o "El Mercurio" e "La Tercera", embora tivessem rodado na noite anterior, não puderam circular, pois a Junta Militar se esqueceu de que, por causa do rigor exigido no acatamento ao toque de recolher, os dois jornais não poderiam ser distribuídos. E, se o fossem, não poderiam ser comprados.

A sucessão contínua de comunicados oficiais, longe de esclarecer, desconcertava ainda mais. Quando, durante o toque de recolher, rádio e televisão anunciavam que os parentes daqueles que morreram estavam autorizados a dirigir-se a um lugar determinado para cuidar dos sepultamentos, a incerteza quanto ao número de mortos crescia. No sábado, defronte ao Ministério da Defesa uma fila dava volta ao quarteirão. Era pessoas tentando obter notícias sobre mortos e desaparecidos. "A cifra de 10.000 mortos é exagerada", disse um funcionário. De qualquer forma, soa como bastante sintomática.

Por outro lado, ao ser transmitida a ordem de apresentação às autoridades militares para 23 estrangeiros radicados no país - entre eles dois brasileiros e um jornalista boliviano morando em Buenos Aires há mais de seis meses - instalou-se o pânico entre as comunidades estrangeiras mais comportadas, e não apenas entre os 14.000 latino-americanos (dos quais 1.200 brasileiros) residentes no Chile. O pânico não era injustificado. Em sua determinação de "extirpar o câncer marxista", a Junta advertiu que as empresas jornalísticas que divulgassem informações não confirmadas pelo novo governo seriam "inapelavelmente destruídas". A caça aos seguidores de Allende começou imediatamente, com os militares apelando à população para denunciar a existência de arsenais clandestinos e solicitando colaboração para a captura de dirigentes da Unidade Popular.

REALISMO - Alguns, como o ex-ministro da Defesa e do Interior, José Tohá, o ex-chanceler Clodomiro Almeyda e seu irmão, Jaime, ex-ministro da Agricultura, e Orlando Letellier, ex-embaixador nos EUA, foram intimados a apresentar-se às autoridades militares. A não-apresentação, dizia a intimação divulgada pelo rádio, significaria "uma transgressão, com as conseqüências fáceis de se prever". Tohá e Almeyda acataram a ordem imediatamente. Outros demoraram algumas horas. Talvez nenhum tenha sido de realismo mais surpreendente do que o líder comunista Jorge Godoy. Numa entrevista televisionada, ele declarou, ainda na noite de quarta-feira: "Sou casado, tenho quatro filhos, fui dirigente sindical durante vários anos e ocupei até este momento, por 58 dias, o Ministério do Trabalho. Espero que o país, neste momento tão grave, possa normalizar sua vida".

Logo começaram, também, as manifestações de apoio incondicional por parte do Partido Nacional, da Confederação dos Transportes e Cargas, agricultores, comerciantes, pequenos e médios industriais, médicos, advogados e engenheiros. O presidente da Corte Suprema, Enrique Urrutia Manzano, manifestou sua "mais íntima satisfação" em nome da administração da Justiça "pelo propósito do governo militar de respeitar as decisões do Poder Judiciário".

Apesar da guerra, e do conceito que os chilenos fazem de si mesmo, de que não são "tropicales", o tropicalismo transpareceu em alguns episódios. Numa boate em que quatro jovens marxistas confessas ficaram retidas durante 52 horas devido ao toque de recolher, os soldados que intermitentemente surgiam à procura de esquerdistas eram recebidos com rodadas de presunto, pão e café. A uma delas, inconformada com essa extemporânea manifestação de coexistência pacífica e dizendo-se "inimiga dos golpistas até a morte", um soldado respondeu: "Respeito seus ideais, senhorita, mas lhe asseguro que este golpe de Estado é para o bem de todos".

SEMI-REMORSOS - A violência com que foi desfechado o golpe, contudo, causava espanto até mesmo entre os adversários do governo deposto. O próprio senador Eduardo Frei, líder da linha mais conservadora da Democracia Cristã e favorável a uma intervenção militar, confidenciou a um alto funcionário das Nações Unidas em Santiago, ao ver as coisas consumadas, que jamais teria suspeitado que o golpe ocorreria de maneira tão brutal.

Esses semi-remorsos, porém, não impediram que, ainda na noite de terça-feira, seu partido, juntamente com o Nacional, manifestasse total apoio à Junta, sob o argumento de que "as Forças Armadas não buscaram o poder, e sua tradição garante que tão logo terminem as tarefas por elas assumidas devolverão o poder ao povo soberano". E o episcopado chileno, se não aprovou, também não reprovou o golpe, manifestando pesar pelo sangue derramado, pedindo "moderação com relação aos vencidos" e esperando "que não haja represálias desnecessárias".

Assim, em meio às manifestações de apoio das principais forças do país, e à resistência de franco-atiradores e operários em algumas fábricas ocupadas, o novo governo começou a tomar suas primeiras medidas, além das repressivas. Imediatamente rompeu relações diplomáticas com Cuba - providência complementada com a expulsão dos 170 membros da volumosa delegação cubana no país - e anunciou a decisão de não mantê-las também com "alguns Estados socialistas".

CONVERSAS, ROUPAS, ARMAS - No campo interno, os passos iniciais consistiram em estabelecer um pouco de ordem no campo de batalha. Foram então concedidos, já a partir de quinta-feira, salvo-condutos para os interessados em sepultar seus mortos, enquanto se pedia à população para colaborar na tarefa de limpar as paredes de todo tipo de propaganda política. Em sucessivos comunicados garantindo que as conquistas dos trabalhadores seriam mantidas, as autoridades militares pediam que todos retornassem ao trabalho. As categorias em greve durante os últimos dias do governo de Unidade Popular - médicos, engenheiros, comerciantes, enfermeiros, dentistas, técnicos, químicos e farmacêuticos - disseram-se dispostas a atender ao apelo, de resto prejudicado pelo toque de recolher.

O presidente da Confederação dos Transportes Rodoviários, Juan Jara, depois de registrar sua "satisfação com a libertação da pátria", conclamou na quarta-feira os motoristas de caminhão, cujo locaute de três quinzenas praticamente paralisou o País, a retornarem às atividades. Até o final da semana isso não ocorrera, em parte devido à confusão geral e em parte pelo compreensível temor dos motoristas de sofrerem ataques de esquerdistas. As Juntas de Abastecimento e Preços, instrumento com o qual a Unidade Popular controlava a distribuição de alimentos ao nível dos consumidores, foram dissolvidas, como o Congresso Nacional.

Outra providência da Junta foi exibir na televisão um filme mostrando o interior da casa de Allende, com a despensa repleta de conservas, armários cheios de roupas, móveis enfeitados com valiosos objetos de arte e, principalmente, grande quantidade de armas, "todas de fabricação soviética". Ainda no terreno psicológico, o acesso ao coração de Santiago, compreendido pela Plaza de la Constitución e ruas próximas, permaneceu proibido até a manhã de sexta-feira. A Junta parecia querer adiar o choque da população ao ver o Palacio de la Moneda, um dos mais antigos monumentos históricos do país, parcialmente em escombros.

UM TELEGRAMA - Como de hábito, a opinião pública européia manifestaria o seu espanto. As capitais da Europa, como algumas latino-americanas, onde foi decretado luto nacional por três dias pela morte de Allende, transformaram-se em palcos de manifestações de hostilidade aos militares chilenos. Os ingleses, por exemplo, ficaram ainda mais chocados na sexta-feira, quando o adido naval chileno em Londres, contra-almirante Oscar Buzeta, ocupou a embaixada em nome da Junta Militar e proibiu a entrada do embaixador Álvaro Bunster. Da capital britânica sairia também uma das mais extravagantes manifestações de repulsa ao novo regime. Um obscuro cônsul-geral panamenho, Jaime Padilha Beliz, enviou um telegrama ao general Pinochet, em que dizia: "A humanidade se envergonha de ter em suas fileiras uma besta como o senhor".

DOIS MODELOS - Passados os momentos de entusiasmo ou de depressão de partidários do governo de Allende, a América Latina, Pelo menos, tem desde a semana passada razões mais fortes para refletir na experiência chilena. Até terça-feira, a "via chilena para o socialismo", com malogros ou não, tinha seus adeptos no continente. O trágico desfecho da aventura, seja qual for o rumo que imporão ao Chile os militares, restringe a somente dois os "modelos" que na América do Sul substituíram recentemente as tradicionais fórmulas da democracia liberal: o "brasileiro" e o "peruano".

Nessa perspectiva, a Argentina, que tinha no Chile um eventual parceiro para a nebulosa experiência do "socialismo nacional" peronista, talvez tenha sido a mais prejudicada. Não faltarão, por exemplo, as queixas de que, com o fim do "socialismo à chilena" se fechou mais o "cerco" da Argentina pelo Brasil. O certo é que o estreitamento de vínculos políticos e econômicos com o Chile, seja qual for o regime que o governe, é uma premissa admitida como necessária por quase todos os setores de atividade da Argentina e pelas Forças Armadas em primeiro lugar. Apesar disso, as manifestações de repúdio ao golpe brotaram como cogumelos por todo o país na semana passada.

Entretanto, a Junta recebeu também outro tipo de manifestações. No final da semana, o Brasil, o Uruguai e o Paraguai já a haviam reconhecido. Uma nota do serviço diplomático chileno, enviada a todos os países com os quais Santiago tem relações e expressando o desejo de continuar mantendo "firmes laços de amizade", estava sendo estudada calmamente no sábado por diversos governos. O pedido causava algum embaraço especialmente nos Estados Unidos, onde, na quarta-feira, o "Washington Post" afirmou em manchete de oito colunas que o Departamento de Estado fora informado do golpe pelos militares rebelados com dezesseis horas de antecedência. Algumas especulações chegaram a brotar da repentina viagem a Washington no dia 7 passado do embaixador americano em Santiago, Nathaniel Davis, que lá não se demorou mais do que um dia e meio.

O reconhecimento externo, que mais cedo ou mais tarde infalivelmente virá, não é porém o suficiente para garantir um futuro tranqüilo ao novo governo. As forças da esquerda foram derrotadas mas não extintas no Chile e só poderão ser neutralizadas com uma repressão férrea e permanente. Principalmente porque, desencantadas com a experiência legal, serão tentadas a desviar-se para movimentos clandestinos.

Por outro lado, o alto nível de violência atingido nas primeiras horas do movimento talvez venha a se constituir numa barreira para a normalização da situação. Na verdade, é possível que, se os militares chilenos continuarem por muito tempo no mesmo nível de repressão, venham a encontrar-se em situação semelhante à dos militares argentinos, com enormes dificuldades para devolver o poder aos civis.

Publicado na Revista Veja em 2007

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

"Wind along the coast"

Assim vai a Europa: PE


Parlamento Europeu pede a França que suspenda expulsão de ciganos

Assim vai a Europa: "Rol dos da raça de segunda"

O cardeal Mazarin nasceu Giulio Mazarino, em Nápoles, e foi primeiro--ministro francês, de Luís XIV. Marie Skolodowska nasceu em Varsóvia, foi Nobel da Física duas vezes mas entretanto já era Madame Curie e francesa. Três tipos juntaram-se e fizeram três grandes filmes: Z, A Confissão e Estado de Sítio. O que escreveu as histórias nasceu em Madrid, Jorge Semprún, o que realizou nasceu em Atenas, Costa-Gravas, e o que deu cara nasceu numa aldeia italiana, Yves Montand. Três filmes franceses, três tipos franceses. Também Serge Reggiani, nascido italiano, Dalida, nascida no Cairo, e Moustaki, nascido em Alexandria, se tornaram cantores franceses. Johnny Halliday não conta, o pai é que era belga, Johnny nasceu em Paris, não entra neste rol de naturalizados (já a primeira mulher, Sylvie Vartan, nasceu búlgara). Belga de nascimento era Marguerite Yourcenar, a primeira mulher eleita para a Academia Francesa. Por escrever bem em francês, como Milan Kundera, que nasceu em Brno, na Moldávia. Todos franceses. Mas, atenção, de segunda. Esta semana, Sarkozy decidiu que há essa raça à parte: franceses a quem se pode tirar a nacionalidade porque não nasceram franceses. Como é que ele explica isso lá em casa à mulher, que nasceu italiana, e ao pai, que nasceu húngaro? Diga-se, entretanto, que Napoleão escapa: nasceu em Ajácio, três meses depois de a Córsega se tornar francesa. Uff...

Ferreira Fernandes no Diário de Notícias