quinta-feira, 29 de março de 2012

Lisboa por Irene Lisboa

Demoro-me
à frente desta janela,
surpreendida e recolhida.
Quem nesta hora me pintasse...
pintaria a mulher
que busca o embevecimento,
que goza
e quer gozar
um fugaz momento
de contemplação.

Noto
(não estou informando
o hipotético pintor...)
que levanto um braço
para traçar,
ou para segurar.

Para lá da janela,
muito para lá,
cavalgando uns telhados,
próximos e velhos,
avulta,
ergue-se a cidade.
Um belo monte de casas
repartidas
e sobrepostas...
mas igualadas
e confundidas

na cor
e nos contornos
por uma finíssima neblina,
cinzenta ou azul.
Ó romântico cômoro!
Ó cidade antiga
e de pintura!
Risonha, velada e longínqua...
Quem te saberá descrever?
De ti dizer
aquelas preciosas coisas,
delicadas e sentimentais
que a todos inspiras?

Reparo nos canos esbeltos
das fábricas,
altos e cónicos,
e acho que a mão
(suponhamos que houve mão,
propósito de traçar...)
que os colocou
na amálgama baixa
das casas,
sabia quanto era engenhosa
e caprichosa
a desuniformização
das linhas.

Que mais vejo?
Nada... já nada estou vendo...
E capaz sou de desnaturar,
de falsear o verdadeiro quadro,
a momentânea impressão
que me teve extática...

 Irene Lisboa

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