De uma maneira geral, estou de acordo com as opiniões de Boaventura Sousa Santos no que respeita ao desenvolvimento económico mundial, à crise financeira mundial, às desigualdades e, até, a algumas das propostas que tem feito para solucionar os atuais problemas nacionais, europeus e mundiais.
Contudo, no que respeita ao conflito entre a Palestina e Israel não partilho das suas opiniões. Pessoalmente, sou a favor da existência de dois estados, de acordo com as resoluções da ONU. Penso ser a única forma justa de se conseguir uma paz duradoura nesta região.
É por isso que publico a opinião do meu amigo Alan Stoleroff, judeu e militante da causa palestiniana. Identifico-me completamente com ela:
Caro Boaventura,
Li a tua crónica.
Como sabes, exerço a minha actividade dedicada à luta contra a ocupação e bloqueio e pela auto-determinação do povo palestiniano identificando-me consciente e politicamente enquanto judeu e sempre farei. Faço isso por várias razões: em primeiro lugar, porque rejeito que o Estado de Israel cometa crimes contra a humanidade e de guerra em meu nome, em nome dos meus antepassados e no bom nome do povo judaico que sofreu séculos de perseguição e o Holocausto do século XX; em segundo lugar, por solidariedade comprometida e activa com o povo palestiniano contra a ocupação e o genocídio – defendo com a minha pessoa os direitos desse povo à sua auto-determinação, sobretudo se os seus opressores sejam do meu povo; terceiro, por razões pedagógicas: judeus que rejeitam a ocupação deslegitimam as justificações mentirosas da ocupação israelita.
Portanto, assim com este prefácio, digo-te francamente que não concordo com a tua mensagem e acho que fazes muitas confusões contraproducentes.
- Jewish Voice for Peace não é uma rede antisionista de judeus; pelo contrário, a perspectiva predominante é a de querer acabar com a ocupação para recuperar de alguma forma alguma legitimidade de um estado democrático de Israel. Existem algumas redes ou organizações antisionistas de judeus mas essa não é um exemplo. Se fosse antisionista, ela não teria o eco que tem entre judeus progressistas nos EUA. Isso posso garantir-te e se fosse antisionista, a AIPAC teria facilidade em destruí-la com um discurso McCarthyista. A perspectiva predominante na JVP é sionista no sentido de aceitar a legitimidade e o valor de um estado israelita democrático que não ocupa um outro povo e que respeita o direito internacional.
- Acho a tua insistência antisionista contraproducente e desnecessária. É possível e necessário condenar os crimes de Israel com o mesmo direito internacional que consagra o direito à sua existência.
- Acho simplista o teu discurso antisionista quanto à criação do estado de Israel e acho que fazes confusões históricas. Uma coisa é a associação histórica do colonialismo europeu com o movimento sionista de colonização dos primeiros "Aliyahs" mas o "sionismo" que resultou de deslocações de população refugiada do Holocausto europeu é outra coisa e não pode ser descolorido de preto e branco. Há uma história complexa e trágica envolvida aqui que não pode ser simplesmente negada e tratada de forma maniqueísta.
- Quanto aos mitos fundadores do sionismo, sim, há vários, mas negar a história do povo judaico citando Sand é simplista e provavelmente errado.
- Atribuir a responsabilidade pela inépcia das decisões que resultaram na partição da Palestina à Inglaterra e os EUA – como se fosse uma vontade do imperialismo norte-americano – é um erro. Além das relutâncias dos americanos e a divisão entre os ingleses, esqueceste do papel da grande USSR, papel esse que não se limitou ao momento dessa decisão no Conselho de Segurança, apesar da subsequente campanha anti-semítica do Tio Estaline em que judeus dos regimes soviéticos foram condenados à morte ou campos de concentração com base na acusação de cosmopolitismo ou sionismo simplesmente porque eram judeus, ou simplesmente porque Estaline precisava de mais um alvo para manter o totalitarismo.
- Acho que fazes confusões de interpretação com respeito à produção da Declaração Balfour e às propostas quanto à colonização sionista em Uganda e Argentina. Sobre este último ponto, é óbvio que essas propostas eram efémeras e inaceitáveis ao movimento sionista no seu conjunto: não podia haver movimento ou projecto sionista sem referência ao Sion (Israel-Palestina)!
- A tua referência à substituição de Israel e Palestina actuais com um estado "secular, plurinacional e intercultural" é infelizmente uma utopia. Gosto de utopias mas não quando impedem a solução imediata de problemas reais. Desde a primeira "revolta árabe" sob o Mandato britânico os dois povos têm vindo a lutar existencialmente pela Palestina e a governação incompetente britânica e os erros da partição em 1947 condenaram os povos a uma guerra civil. Todos os acontecimentos desde então, com raras excepções exemplares de co-existência e co-operação na sociedade civil judia e palestiniana, contrariaram o sonho da emergência de um estado único secular, bi-nacional e democrático. Como não acho desejável a manutenção de um estado de guerra, a melhor solução é a solução consensual ao nível internacional: o fim da ocupação e a criação de um estado soberano palestiniano nos territórios ocupados em 1967, a resolução justa do direito de retorno dos refugiados palestinianos, e a normalização e pacificação das relações inter-estatais na região. Para os judeus e árabes de Israel e Palestina restará sempre a luta pela democratização dos seus países e pela paz e co-operação entre os seus países.
De toda a maneira a tua ideia de extinguir o Estado de Israel parece-me absurda e negativa. Em primeiro lugar pela razão que já exprimi: é necessário condenar os crimes de Israel E é possível E necessário condenar os crimes de Israel com o mesmo direito internacional que consagra o direito à sua existência. Em segunda lugar, porque não será necessário proclamar a extinção de Israel se Israel continuar com a sua orientação genocida e expancionista; Israel, assim, enquanto estado democrático acabará por sempre e será alvo de forças destruidoras externas e internas e não aguentará. É só com o fim da ocupação e a normalização com base no direito internacional que Israel terá uma hipótese de sobrevivência no médio e longo prazo e é essa realidade que tem que convencer os próprios israelitas, nomeadamente judeus, e os judeus do mundo, que é preciso aceitar uma paz justa e duradoura e acabar com a estupidez e loucura que têm sido a base da sua política desde 1967.
Com todo o respeito vou divulgar este comentário crítico do teu texto a outros.
Saudações,
Alan Stoleroff
Com todo o respeito vou divulgar este comentário crítico do teu texto a outros.
Saudações,
Alan Stoleroff
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