segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

"Marionetas russas" - Serge Halimi


A 9 de Fevereiro de 1950, no auge da Guerra Fria, um senador republicano ainda desconhecido exclama o seguinte: «Tenho nas mãos a lista de duzentas e cinquenta pessoas que o secretário de Estado sabe serem membros do Partido Comunista e que, no entanto, determinam a política do Departamento de Estado». Joseph McCarthy acabava de entrar na história dos Estados Unidos pela porta da infâmia. A lista não existia, mas a vaga de histeria anti-comunista e de purgas que se seguiu foi bem real. E destruiu a vida de milhares de norte-americanos.

Em 2017, parece que está em causa nada menos do que a lealdade patriótica do próximo presidente dos Estados Unidos. Com o seu executivo de militares e multimilionários, há muitas razões para temer a sua entrada em funções. Contudo, o Partido Democrata e muitos meios de comunicação social ocidentais parecem obcecados com a ideia extravagante de que Donald Trump seria a «marioneta» do Kremlin. E que ele deveria a eleição a um acto de pirataria de dados informáticos orquestrado pela Rússia. Já passou muito tempo desde a paranóia macartista, mas o Washington Post acaba de recuperar esta história mostrando-se inquieto com a existência de «mais de duzentos sítios que, voluntariamente ou não, publicam a propaganda russa ou a reproduzem» (24 de Novembro de 2016).

Sopram maus ventos sobre o Ocidente. Cada eleição, ou quase, é apreciada através do prisma da Rússia. Quer se trate de Trump nos Estados Unidos, de Jeremy Corbyn no Reino Unido, ou de candidatos tão diferentes como Jean-Luc Mélenchon, François Fillon ou Marine Le Pen em França, basta duvidar das medidas tomadas contra a Rússia, ou das conspirações atribuídas a Moscovo pela Central Intelligence Agency (CIA) – uma instituição que todos sabem ser infalível e irrepreensível –, para se ser suspeito de servir os desígnios do Kremlin. Num clima como este, mal se ousa imaginar a torrente de indignação que teriam suscitado a espionagem pela Rússia, em vez dos Estados Unidos, do telefone de Angela Merkel, ou a entrega pela Google a Moscovo, em vez da Agência Nacional de Segurança Americana (NSA), de milhares de milhões de dados privados recolhidos na Internet. Sem avaliar bem toda a ironia das suas palavras, Barack Obama ainda assim ameaçou a Rússia nestes termos: «Eles têm de compreender que nós também lhes podemos fazer aquilo que eles nos fazem a nós».

Vladimir Putin não ignora que Washington pode inflectir a política de um outro Estado. Na Primavera de 1996, um presidente russo doente e alcoólico, artesão (corrupto) do caos social no seu país, de facto só sobreviveu a uma impopularidade descomunal graças ao apoio declarado, político e financeiro, das capitais ocidentais. E a um providencial enchimento das urnas. Boris Ieltsin, o menino bonito dos democratas de Washington, Berlim e Paris (apesar de ter feito disparos de canhão contra o Parlamento russo, provocando a morte de centenas de pessoas), foi portanto reeleito. A 31 de Dezembro de 1999, Ieltsin decidiu transmitir todos os seus poderes ao seu fiel primeiro-ministro, o delicioso Vladimir Putin…

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