quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

As Mulheres de Eduardo Galeano - "Tituba"


Tinha sido caçada na América do Sul logo à infância, e tinha sido vendida uma vez e outra e mais outra, e passando de dono em dono viera parar à vila de Salem, na América do Norte.

Ali, nesse santuário puritano, a escrava Tituba servia em casa do reverendo Samuel Parris.

As filhas do reverendo adoravam-na. Sonhavam acordadas quando Tituba lhes contava histórias de aparições ou lhes lia o futuro numa clara de ovo. E no inverno de 1692, quando as meninas foram possuídas por Satã e se contorciam e guinchavam, só Tituba conseguiu acalmá-las, acariciando-as e sussurrando-lhes histórias até que as adormeceu no seu regaço.

Isso condenou-a: fora ela trazer o Inferno para o virtuoso reino dos eleitos de Deus.

E a maga-contos foi amarrada ao cadafalso na praça pública e confessou.

Acusaram-na de cozinhar pastéis com receitas diabólicas e açoitaram-na até ela dizer que sim.

Acusaram-na de dançar nua nos concílios de bruxas e açoitaram-na até ela dizer que sim.

Acusaram-na de dormir com Satã e açoitaram-na até ela dizer que sim.

E quando lhe disseram que tinha por cúmplices duas velhas que nunca iam à igreja, a acusada converteu-se em acusadora e apontou o dedo a esse par de endemoninhadas e já não foi açoitada.

E depois outras acusadas acusaram.

E a forca não deixou de trabalhar.

Eduardo Galeano

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