O problema ocorrido na Quinta da Fonte desencadeou uma discussão na sociedade portuguesa relativa às minorias, racismo, etc. Já muitos opinaram sobre as causas e consequências do que aconteceu. O jornal Expresso fez uma sondagem para saber se os portugueses são racistas ou sabem viver com as sua minorias. Neste mesmo blogue também se falou do caso.
Do que adveio de toda a discussão sobressai a opinião de muitos sobre os ciganos, pois que, ao que parece, são estes o principal foco do problema.
De há muito que a imagem dos ciganos deixou de ser a de um povo nómada e de saltimbancos para passar a de uma minoria que não se integra nas sociedades envolventes, mesmo que aí viva há séculos . Em Portugal, a grande maioria vive da venda ambulante, não consegue conviver com os valores prevalecentes e já é considerada uma parte importante do problema do tráfico de droga. É uma questão difícil. Em todos os países ocidentais o problema das minorias gera discussão e, muitas vezes, conflitos. Qualquer povo que queira sobreviver tem que adaptar-se à sociedade que o acolhe, independentemente da nacionalidade, raça ou credo. Quando isso não acontece, mais cedo ou mais tarde, geram-se divisões, às vezes irreparáveis. Temos a França com os árabes, a Alemanha com os turcos, os Estados Unidos da América com os afro-americanos, etc.
Mas a inserção depende só deles? As sociedades ocidentais estarão preparadas para absorver os valores dos seus diferentes cidadãos?
De toda a discussão gerada com a Quinta da Fonte ficámos com algumas "certezas": os ciganos são aldrabões, rufiões e violentos, os seus filhos geram problemas nas escolas, não querem trabalhar e vivem dos nossos impostos. Mas será que estamos a saber encarar a realidade? Será que todos estes epítetos não escondem outras realidades?
Num artigo hoje publicado no jornal Público, Rui Tavares escreve aquele que é, na minha opinião, o melhor artigo editado até hoje sobre o problema. Aqui fica:
Um país quase imaculado
Nunca tive ilusões sobre isto: a discussão sobre quais são os povos mais ou menos racistas é no mínimo um equívoco, e nos casos extremos tão preconceituosa como o racismo. Franceses e ingleses acusam-se mutuamente de racismo. No Brasil, crê-se que há muito racismo nos EUA, mas evita-se comparar a realidade dos negros em ambos os países. E Portugal, evidentemente, considera-se naturalmente não-racista: seremos talvez uma raça superior a quem falta o gene do preconceito? Esta discussão pueril esquece duas coisas. A primeira, que o racismo pode andar na cultura e na sociedade, mas cabe ao indivíduo não ser racista. Não é coisa de povos; é responsabilidade de cada um. A segunda, que a coisa não é estática: uma comunidade profundamente racista pode deixar de sê-lo se indivíduos suficientes se forem levantando contra o racismo. Para que isso aconteça, ser não-racista é insuficiente; é mesmo preciso ser anti-racista. Também nunca tive ilusões sobre outra coisa: em Portugal, a comunidade que é vista com mais preconceito, há mais tempo e de forma mais consistente, é a dos ciganos. O preconceito anticigano agarra-se a tudo e pode fugir ao controlo. Uma sondagem no Expresso dá os ciganos como a comunidade mais detestada no país. No mesmo jornal, Miguel Sousa Tavares prega um sermão aos líderes da comunidade para que abandonem uma vida de crime e tráfico de droga. E claro: Paulo Portas logo veio sugerir que há um Portugal que trabalha para que os ciganos vivam do rendimento mínimo. Neste país onde os bancos "arredondaram" os empréstimos à habitação e meteram ao bolso uma média de cinco mil euros por família, os ciganos são ladrões. Neste país onde a Operação Furacão encontrou fraude empresarial de grande escala mas não chegará a lado nenhum, os ciganos é que são os dissimulados. Neste país onde Paulo Portas ainda não explicou quem é o famoso Jacinto Leite Capelo Rego que generosamente deu dinheiro ao seu partido (nem explicou o "caso sobreiros", nem o "caso submarinos", nem o "caso casino"), os ciganos é que são os malandros. Ainda se vai descobrir que os ciganos é que raptaram Maddie ou atrapalharam as brilhantes investigações policiais. Ainda se vai descobrir que, afinal, os ciganos estão por detrás do escândalo Casa Pia. Ainda se vai descobrir que são os ciganos quem monta as empresas manhosas onde os nossos jovens licenciados trabalham a recibos verdes. Ainda se vai descobrir que os ciganos é que estacionam os nossos carros em cima dos passeios. Mas, até lá, tenhamos sentido das proporções. Ou então chegaremos ao ponto a que agora chegou a Itália. Em Itália, todos os ciganos e apenas os ciganos (estrangeiros ou italianos, menores ou adultos, meros suspeitos ou completamente inocentes) estão a ser identificados compulsivamente pela polícia, algo que não acontecia na Europa Ocidental desde o nazismo. No outro dia, duas meninas ciganas morreram afogadas numa praia de Nápoles e os seus corpos estiveram ali expostos sem que isso incomodasse os banhistas. A Itália dá-se a este luxo: está agora obcecada com os ciganos, como se de repente os seus políticos fossem incorruptos, já não houvesse italianos mafiosos nem pilhas de lixo para apanhar nas ruas. Eu estou certo de que os italianos não são racistas; mas pelos vistos faltaram-lhes anti- -racistas em número suficiente no momento certo.
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