domingo, 1 de setembro de 2013

"Síria" - por José Pacheco Pereira


É bem verdade:

A Síria é hoje o terreno mais minado para a manipulação dos factos. Regime e oposição (oposições), aliados e inimigos, participam interesseiramente numa campanha de desinformação destinada a justificar e permitir acções favoráveis a um ou outro lado.

Bashar al-Assad é um ditador cruel e assassino. Se precisar de utilizar, em desespero de causa, armas químicas, utiliza sem hesitações. Os grupos de oposição a Assad são cruéis e assassinos. Se precisarem de provocar um ataque químico (eles têm armas químicas) para instigar uma intervenção internacional, num momento em que militarmente estão quase derrotados, utilizarão as armas sem qualquer hesitação. Se tivessem armas nucleares também as usariam.

A França, os EUA, o Reino Unido sabem disso muito bem. Tem os seus serviços no terreno e “conselheiros” especiais junto de alguns grupos da oposição síria. Se Assad usou as armas químicas, iranianos e russos, sabem muito bem se tal é verdade ou não, porque também estão presentes no terreno. E não é num escritório com ar condicionado numa zona segura de Damasco. Ou seja, todos sabem, menos nós. Nós somos a carne de canhão da “opinião pública” destinada a legitimar o apoio a um ou a outros. Para nós, sobra o outro lado da guerra, o da desinformação, hoje tão fácil de fazer usando as redes sociais, filmes de telemóvel que não se sabe se são verdadeiros ou não, mas circulam. Imagens fortes destinadas a obter ganhos nas opiniões públicas são distribuídas com a menção em letras pequenas de que “não houve verificação independente”. Os jornalistas e os militantes de todas as causas simplificam e arranjam bons e maus, para ajudar á mobilização. Veja-se a Líbia, ou, para outros gostos, o Iraque. A França, que ainda acha que a Síria está na sua área de influência depois de a ter reivindicado na partilha do império otomano com o argumento dos reinos normandos das cruzadas, quer intervir, mas não tem meios. Precisa do Reino Unido e dos EUA, em que há também vontade de intervir para limitar geopoliticamente uma Rússia que, cada vez mais, assume a política soviética e pôr na ordem o Irão.

Podemos tentar aplicar a racionalidade. Assad sabe que as armas químicas são a “linha vermelha”, alguém tem que fazer alguma coisa para que essa “linha” seja ultrapassada. Assad na actual situação militar, que lhe é favorável, não precisa de usar armas químicas. Pelos vistos dizem que ele as usou, certamente para provocar sem necessidade uma resposta militar, nem que seja apenas punitiva. Racionalmente seria uma imbecilidade, mas é possível. Do lado dos grupos da oposição, também se sabe que a “linha vermelha” são as armas químicas, logo a racionalidade é fazer uma provocação qualquer para comprometer o regime e forçar a mão de americanos, franceses e ingleses. Os civis não contam para nada. Racionalmente seria assim, mas neste lado do mundo a crueldade absoluta anda à solta. Vamos continuar a ver na televisão.


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