Vai haver sanções? Não vai haver sanções? Se não forem aplicadas agora, sê-lo-ão mais tarde? Se forem aplicadas agora, serão simbólicas ou efectivas? Serão imediatas ou com pena suspensa? Portugal fez o suficiente para as evitar? Só as pode evitar com mais medidas de austeridade? Quais as consequências para o investimento externo? E para o défice? E para a dívida? Vem aí um novo resgate? Vai o país voltar a ser governado do exterior, pela Troika?
É este o ambiente de terror que está criado, com a ajuda de actores externos e internos, com toda a telenovela sancionista-punitiva de uma União Europeia que mostra nada ter aprendido com a crescente desafectação que gera nos povos europeus – e de que o Brexit é apenas o mais recente exemplo. Um ambiente que actua sobre as realidades económicas e financeiras, procurando moldar comportamentos e prejudicar as políticas de devolução de rendimentos, condições de trabalho e serviços públicos.
Aposta-se na auto-realização da profecia que se lança para o ar. O comissário europeu Serge Moscovici, muito esclarecedor, realça que a Comissão Europeia fará uma aplicação«inteligente» de sanções. Até agora, essa inteligência ditou que nunca fossem aplicadas sanções. Nem durante os muitos anos, 2015 incluído, em que tantos outros países têm incumprido as metas do défice, nem nos anos de incumprimento do máximo de excedentes admitidos. Até agora, nada.
Não tem sido preciso. A obsessão das metas nunca tinha tido oposição digna de se ver, isto é, nunca levara governos a pôr em causa, não o cumprimento das regras (isso foi-se tornando comum), mas o sentido ideológico das políticas concretas. Ou melhor, até teve, mas o governo grego acabou por ensinar à União Europeia que, suficientemente estrangulado, acabava por se conformar às imposições de Bruxelas, com a destruição da Grécia que se vê.
A obsessão por metas cujo incumprimento é eventualmente sancionável pelo europeísmo neoliberal-austeritário funciona sobretudo como uma distopia: mais importante do que o desastroso objectivo a atingir num qualquer horizonte, o que importa é a tragédia concreta em que se transforma o caminho, medida em degradação das condições de trabalho e de vida da maioria, em patamares cada vez mais baixos. É por isso que as declarações da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque são verdadeiras: com ela não havia sanções, se calhar nem ameaças, mesmo que o défice fosse ainda maior, desde que ela aplicasse toda a receita neoliberal. As sanções nunca são técnicas, são políticas. São, na perspectiva de quem usa a sua hegemonia como direito a matar a dissidência à nascença, uma forma de fazer regressar ao rebanho neoliberal qualquer ovelha tresmalhada. À paulada, se preciso for.
É desta flexibilidade na utilização dos instrumentos de coerção por si criados que a União Europeia retira grande parte da capacidade que tem demonstrado de formatar as políticas europeias, aplicadas à escala transnacional e nacional, umas vezes por governos neoliberais outras por sociais-liberais. É por isto que a decisão de aplicar ou não sanções a Portugal (e a Espanha) por incumprimento do défice em 2015 não depende tanto do resultado do défice desse ano – aliás invulgarmente baixo e só possível com uma destruição de salários, pensões e empregos nunca antes vista na história da democracia. A decisão depende da vontade de forçar à submissão o governo português, para este aceitar medidas de reposição da austeridade, idealmente ainda num orçamento rectificativo para 2016 (não vá o défice ficar mesmo abaixo dos 3% e depois não há tantos argumentos para a pressão), mas se necessário só no orçamento para 2017.
A isto a União Europeia e respectivas caixas de ressonância políticas e mediáticas chamarão qualquer coisa como «a necessidade de ter garantias por parte do governo de que actuará de forma responsável e sem pôr em risco os esforços abnegados que o povo português fez nos anos da crise». Talvez estes arautos consigam convencer alguns de que a crise já passou e de que as escolhas dos governos não são sempre políticas e ideológicas… Mas depois há sempre essa coisa desagradável que se chama realidade e que tende a ser medida, por cada um, em condições de vida.
A ameaça de sanções, concretizadas ou não, é já a Comissão a agir de forma inteligente. Faz lembrar, aliás, aqueles mísseis inteligentes que, mesmo depois de disparados, ainda podem mudar de rota, para que o impacto desejado tenha em conta os efeitos que o simples facto de terem sido accionados possam ter no comportamento do inimigo. Uns caem no mar, outros num alvo secundário, outros atingem em cheio capacidades operacionais.
Há cerca de dois meses, a Comissão iniciou esta manobra punitiva para conseguir efeitos na actuação do governo português (e nas eleições e configuração do governo em Espanha). Pelo meio, espera conseguir reforçar a direita portuguesa na sua ambição de voltar ao governo, bem como conhecer a capacidade que o governo de António Costa demonstra, ou não, de resistir a diferentes graus de pressão: abdicará do compromisso programático de reverter a austeridade e apostar numa via de emprego e crescimento ou, pelo contrário, abdicará do compromisso de cumprir as regras e metas dos tratados europeus?
Mostrará a União Europeia que estas duas vias são incompatíveis? Como, até agora, não o pode fazer exibindo uma execução orçamental de 2016 incumpridora, resta-lhe fazer a pressão necessária para que isso aconteça no ano seguinte. Para tal basta que o ambiente sancionatório faça disparar os juros da dívida e retrair o investimento, que por sua vez aumenta o défice, exige novas medidas, etc. A escalada infernal e em ciclo vicioso está sempre disponível para ser accionada. Sê-lo-á agora? Na decisão da União talvez pese a reacção portuguesa. Talvez pesem outros factores, como desviar a atenção de outros problemas – da banca alemã ao Brexit –, ou sopesar alguns ténues indícios de questionamentos internos e de alianças que podem formar-se. Mas o que depende de nós é sermos capazes, hoje, de manter uma oposição política e social firme perante qualquer tentativa de voltar à austeridade, actuando no sentido de a reverter em todos os pontos que estão ainda por levar à prática e que não podem deixar de ser aplicados por qualquer governo que se reveja na mais simples social-democracia.
Esta atitude de resistência a um projecto político que a prazo só reserva, para países como Portugal, uma crise muito prolongada, com constante perda de rendimentos, níveis insustentáveis de desemprego, défices permanentes e uma dívida impagável, é ela própria formativa dos combates futuros. Precisamos de preparar todos os cenários, fixando as linhas vermelhas nos conteúdos das políticas, e percebendo que os espaços e os meios que usamos para as levar à prática são apenas os quadros e os instrumentos em dado momento disponíveis. Nesta União em decomposição, mas determinadamente neoliberal e punitiva, as regras dos tratados e a configuração da moeda única prometem continuar, na sua aplicação inteligente, a servir a acumulação de lucros nas grandes multinacionais e no sistema financeiro, coisa que exige mais desemprego e precariedade, menores salários e pensões, menos protecção social, menos Estado social. Neste contexto, não deveríamos estar apenas a resistir a eventuais sanções: devíamos estar a exigir reparações pelos danos causados.
Não tem sido preciso. A obsessão das metas nunca tinha tido oposição digna de se ver, isto é, nunca levara governos a pôr em causa, não o cumprimento das regras (isso foi-se tornando comum), mas o sentido ideológico das políticas concretas. Ou melhor, até teve, mas o governo grego acabou por ensinar à União Europeia que, suficientemente estrangulado, acabava por se conformar às imposições de Bruxelas, com a destruição da Grécia que se vê.
A obsessão por metas cujo incumprimento é eventualmente sancionável pelo europeísmo neoliberal-austeritário funciona sobretudo como uma distopia: mais importante do que o desastroso objectivo a atingir num qualquer horizonte, o que importa é a tragédia concreta em que se transforma o caminho, medida em degradação das condições de trabalho e de vida da maioria, em patamares cada vez mais baixos. É por isso que as declarações da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque são verdadeiras: com ela não havia sanções, se calhar nem ameaças, mesmo que o défice fosse ainda maior, desde que ela aplicasse toda a receita neoliberal. As sanções nunca são técnicas, são políticas. São, na perspectiva de quem usa a sua hegemonia como direito a matar a dissidência à nascença, uma forma de fazer regressar ao rebanho neoliberal qualquer ovelha tresmalhada. À paulada, se preciso for.
É desta flexibilidade na utilização dos instrumentos de coerção por si criados que a União Europeia retira grande parte da capacidade que tem demonstrado de formatar as políticas europeias, aplicadas à escala transnacional e nacional, umas vezes por governos neoliberais outras por sociais-liberais. É por isto que a decisão de aplicar ou não sanções a Portugal (e a Espanha) por incumprimento do défice em 2015 não depende tanto do resultado do défice desse ano – aliás invulgarmente baixo e só possível com uma destruição de salários, pensões e empregos nunca antes vista na história da democracia. A decisão depende da vontade de forçar à submissão o governo português, para este aceitar medidas de reposição da austeridade, idealmente ainda num orçamento rectificativo para 2016 (não vá o défice ficar mesmo abaixo dos 3% e depois não há tantos argumentos para a pressão), mas se necessário só no orçamento para 2017.
A isto a União Europeia e respectivas caixas de ressonância políticas e mediáticas chamarão qualquer coisa como «a necessidade de ter garantias por parte do governo de que actuará de forma responsável e sem pôr em risco os esforços abnegados que o povo português fez nos anos da crise». Talvez estes arautos consigam convencer alguns de que a crise já passou e de que as escolhas dos governos não são sempre políticas e ideológicas… Mas depois há sempre essa coisa desagradável que se chama realidade e que tende a ser medida, por cada um, em condições de vida.
A ameaça de sanções, concretizadas ou não, é já a Comissão a agir de forma inteligente. Faz lembrar, aliás, aqueles mísseis inteligentes que, mesmo depois de disparados, ainda podem mudar de rota, para que o impacto desejado tenha em conta os efeitos que o simples facto de terem sido accionados possam ter no comportamento do inimigo. Uns caem no mar, outros num alvo secundário, outros atingem em cheio capacidades operacionais.
Há cerca de dois meses, a Comissão iniciou esta manobra punitiva para conseguir efeitos na actuação do governo português (e nas eleições e configuração do governo em Espanha). Pelo meio, espera conseguir reforçar a direita portuguesa na sua ambição de voltar ao governo, bem como conhecer a capacidade que o governo de António Costa demonstra, ou não, de resistir a diferentes graus de pressão: abdicará do compromisso programático de reverter a austeridade e apostar numa via de emprego e crescimento ou, pelo contrário, abdicará do compromisso de cumprir as regras e metas dos tratados europeus?
Mostrará a União Europeia que estas duas vias são incompatíveis? Como, até agora, não o pode fazer exibindo uma execução orçamental de 2016 incumpridora, resta-lhe fazer a pressão necessária para que isso aconteça no ano seguinte. Para tal basta que o ambiente sancionatório faça disparar os juros da dívida e retrair o investimento, que por sua vez aumenta o défice, exige novas medidas, etc. A escalada infernal e em ciclo vicioso está sempre disponível para ser accionada. Sê-lo-á agora? Na decisão da União talvez pese a reacção portuguesa. Talvez pesem outros factores, como desviar a atenção de outros problemas – da banca alemã ao Brexit –, ou sopesar alguns ténues indícios de questionamentos internos e de alianças que podem formar-se. Mas o que depende de nós é sermos capazes, hoje, de manter uma oposição política e social firme perante qualquer tentativa de voltar à austeridade, actuando no sentido de a reverter em todos os pontos que estão ainda por levar à prática e que não podem deixar de ser aplicados por qualquer governo que se reveja na mais simples social-democracia.
Esta atitude de resistência a um projecto político que a prazo só reserva, para países como Portugal, uma crise muito prolongada, com constante perda de rendimentos, níveis insustentáveis de desemprego, défices permanentes e uma dívida impagável, é ela própria formativa dos combates futuros. Precisamos de preparar todos os cenários, fixando as linhas vermelhas nos conteúdos das políticas, e percebendo que os espaços e os meios que usamos para as levar à prática são apenas os quadros e os instrumentos em dado momento disponíveis. Nesta União em decomposição, mas determinadamente neoliberal e punitiva, as regras dos tratados e a configuração da moeda única prometem continuar, na sua aplicação inteligente, a servir a acumulação de lucros nas grandes multinacionais e no sistema financeiro, coisa que exige mais desemprego e precariedade, menores salários e pensões, menos protecção social, menos Estado social. Neste contexto, não deveríamos estar apenas a resistir a eventuais sanções: devíamos estar a exigir reparações pelos danos causados.
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