segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

"“O PS lamenta, mas aceita a austeridade”" - Marisa Matias


Entrevista ao Expresso

Qual é o seu principal adversário nestas eleições: a direita europeísta, ou os novos movimentos populistas, que se assumem contra a União Europeia (UE)?

A extrema-direita, que tem crescido por toda a Europa é o grande adversário nestas eleições, como tem sido no Parlamento Europeu. Há uma agenda muito perigosa dos populismos de extrema-direita, que não tem apenas que ver com as questões do racismo e xenofobia, mas também com retrocessos nos direitos das mulheres e na capacidade de aceitar minoria. Muitas destas bandeiras chegaram ao poder antes das forças de extrema-direita lá terem chegado, porque o consenso europeu, onde se inclui a direita democrática e a social-democracia, tentou evitar o crescimento dessas forças pela incorporação das suas bandeiras na política europeia; isto não só não impediu o seu crescimento, como permitiu a legitimação e naturalização dessas bandeiras.

Há dois grandes campos no PE: no campo europeísta estão grupos como o PSE e o PPE, a perder terreno; no campo contrário, tanto está o BE como a extrema-direita que está a criticar.
É europeísta apresentar propostas sistemáticas de redução de fundos de coesão? Pôr um garrote às economias periféricas que não deixa margem de respiração e condiciona a própria democracia? É europeísta fazer um caminho que agrava os desequilíbrios macroeconómicos? Não tenho visto a UE a ser europeísta ou a promover a cooperação nos domínios que importam.

Os novos populistas dizem coisas parecidas...

Aceito que possa haver críticas à construção europeia vindas de diferentes origens, mas não há margem para confusão. Fazer coincidir coisas muito diferentes é uma simplificação e uma mentira. Acho que se faz muito mais pela integração criticando esta construção desigual do que aceitando o que está nos tratados e tem destruído o projeto europeu. Os partidos ditos europeístas nunca se coordenaram para o essencial: defesa do trabalho, dos salários, do Estado social, de uma política ambiental ambiciosa, combate à pobreza. Mas coordenam-se para a mão pesada sobre países deficitários.

António Costa diz que o PS é o partido que melhor defende a Europa. O BE é o partido que melhor critica?

Sou europeísta, não sou é eurodeslumbrada.

O PS é?

É. O PS diz não aceitar a austeridade... eu creio que o PS lamenta, mas aceita a austeridade. Foi o PS que negociou, com o PSD e o CDS, o memorando da troika, foi o PS que fez do Parlamento português o primeiro a aprovar o Tratado Orçamental.

O apoio do BE ao PS pode prejudicar-vos nas europeias?
O acordo que obtivemos foi muito limitado, mas no que foi possível intervir teve resultados. E mostra outra coisa: nesta integração tão desigual, só ganhamos quando confrontamos Bruxelas.

E se os eleitores do BE acharem que houve confrontação a menos? Há camaradas seus que saíram do BE porque acham que se aburguesou.

O BE tem uma agenda muito clara e não vejo contradição entre identidade e convergência. O BE não deixou de fazer as suas lutas políticas.

Então os camaradas que romperam com o BE não percebem isso?
Ainda nos vamos encontrar muitas vezes nos mesmos combates. Tenho pena que tenham saído, mas sabia desde o início que não estavam de acordo com o entendimento que foi feito com o PS. 

Vai para o terceiro mandato em Bruxelas, serão 15 anos. Não é demasiado tempo?

Três mandatos é o limite para mim, mas há batalhas muito importantes às quais não quero virar as costas. Quando fui eleita pela primeira vez não estava em vigor o Tratado de Lisboa nem existia Tratado Orçamental. As coisas pioraram bastante.

Um eurodeputado pode muito pouco. Isso é frustrante?

Pode muito pouco, é frustrante, mas eu não embarco no discurso desresponsabilizador. O PE é colegislador, pode vetar os orçamentos comunitários, e não o tem feito. Estamos a discutir o próximo orçamento, em que se reduz as verbas da coesão e da política agrícola comum e se prevê um corte significativo dos fundos estruturais para Portugal, e os ditos europeístas acham que investir num fundo europeu de defesa, ou no exército comum, é mais importante.

Pedro Marques conduziu a negociação dos novos fundos europeus. Responsabiliza-o por uma má negociação?

Se se mantiver esta tendência, o Governo português não terá outra opção a não ser vetar o orçamento europeu. Não é possível aceitar a subjugação que se está a preparar para Portugal, que tem assistido a um reforço da divergência. Todos os governos negoceiam, uns conseguiram, outros não — os cidadãos portugueses devem retirar daí ilações.

Foi uma má negociação?

Foi má. Não é possível aceitar os critérios que foram aprovados. Outra questão é saber como cada governo, internamente, distribui os fundos. E aí, quase metade dos recursos que vêm para Portugal vai para as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não promove a coesão.

Seria possível o BE integrar um Governo enquanto o Tratado Orçamental (TO) mantiver este peso?

O TO, sendo um tratado intergovernamental, depende de cada um dos governos. Se houver um governo com vontade de se desvincular, pode fazê-lo.

Ainda defendem um referendo à saída do euro?
Não.

Isso é o reconhecimento de que Portugal está melhor dentro do euro?

Nenhum país está bem no euro com esta arquitetura. Basta uma nova crise para que se perceba a fragilidade profunda desta moeda. Neste contexto, não podemos aceitar esses constrangimentos, mas devemos desafiá-los.


Que balanço faz do mandato de Carlos Moedas como comissário europeu?

Faço um balanço genericamente positivo. Somos os dois portugueses presentes na negociação do próximo quadro de financiamento para a ciência e investigação e não estamos de acordo em tudo: discordo da abordagem em relação ao sector privado (aí, acho que o grosso do financiamento à investigação deve ir para as PME e não para a grande indústria), mas não discordo da abordagem do comissário [Moedas] em relação ao sector público.

Foi uma boa surpresa o desempenho de Moedas?
De certa maneira, sim. Quando chegou, não conseguia retirar-lhe a imagem de interlocutor da troika [no Governo de Passos]. Neste trabalho que temos feito em conjunto, há muitas áreas em que estamos de acordo e temos procurado unir forças.

E Pablo Iglésias e Alexis Tsipras? Ainda são companheiros de combate?

O Pablo Iglésias sim. O Alexis Tsipras… não sei… ainda há pouco ele enviou um vídeo para a convenção europeia do PS [risos]. Eu não partilho das opções de Alexis Tsipras.

Foi uma capitulação?

Houve uma enorme pressão das instituições europeias, com um custo enorme para a economia e democracia gregas. De certa forma, a Grécia capitulou. E, ao fazê-lo, a UE destruiu um país. Esperava mais defesa daquilo que foi o programa com que Tsipras se apresentou, mais firmeza na defesa desse programa...

Não se arrepende de o ter apoiado?
Não. O programa estava lá, era claro e eu concordava com ele. Os nossos caminhos afastaram-se, mas não me arrependo. A partir do momento em que Tsipras decide que o seu caminho passa por integrar o consenso europeu, não consigo acompanhá-lo.

Iglesias e Tsipras mostram como a aproximação do poder pode contaminar a esquerda. É um risco do BE?

Não. O BE não falhou em nenhum momento nestes quatro anos, nem na defesa dos serviços públicos, nem na defesa dos direitos laborais, nem no combate à precariedade...

Mas prometia muito mais, tal como aconteceu na Grécia.

Mas o BE não cedeu. Essa é a diferença.

Quando está em cima da mesa o BE ser parte do Governo isso não é uma capitulação?

O BE quer ser uma força de governo, não está escrito que vai integrar um governo do PS.

Não deve integrar?


O BE não tem de ter medo do poder ou de integrar governos. Mas isso não é feito a qualquer preço. É mediante um caminho concreto de disputa de maiorias sociais naquilo que é o essencial.

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