quinta-feira, 30 de junho de 2011

"OU A PIDE OU A DEMOCRACIA"


A propósito do "julgamento" que está a decorrer derivado da peça de teatro A filha Rebelde, Iva Delgado, filha de Humberto Delgado, publicou este texto no Facebook:

Trata-se de ofensa ao bom nome de Silva Pais? De o acusar de um crime que não cometeu? De o enredar em teias de suspeição não provadas? De um simples mal-entendido sobre um cidadão como outro qualquer? Estas questões estão a ser levantadas hoje, num tribunal em Lisboa, como se Fernando Silva Pais tivesse sido um pacato major de um pacato Portugal sob o remanso governativo de Oliveira Salazar.

Os ofendidos, um sobrinho e uma sobrinha de Fernando Silva Pais, invocam o direito à reparação da memória deste e pedem justiça na forma de indemnização monetária. A acusação visa concretamente a peça de teatro "A Filha Rebelde" de Margarida Fonseca Santos, baseada na obra homónima dos jornalistas José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz. A peça, segundo a acusação, pode levar o espectador a concluir que Silva Pais foi o mandante do assassinato de Humberto Delgado.

Está em causa a cadeia de responsabilização em regimes ditatoriais. No julgamento dos nazis em Nuremberga, a questão era a de saber se quem se "limitava" a cumprir ordens superiores podia ser desresponsabilizado. A Justiça e a História concluíram que não podia. Mas no caso português, curiosamente, a questão é colocada ao contrário: não se pergunta se Silva Pais responde historicamente pelas ordens recebidas de Salazar, mas sim se responde pelos actos cometidos pelos seus subordinados. Por muito absurdo que possa parecer, é mesmo isso que está hoje em causa.

É confrangedor ver a inversão de valores em relação ao papel dos tribunais na era democrática. Se todos os descendentes de figuras históricas do Estado Novo se aproveitassem da legislação democrática para processar por difamação os autores de livros de história, biografias, ensaios, peças jornalísticas, obras de ficção, peças de teatro, séries televisivas, filmes, etc., teríamos uma paralisação intelectual, artística, histórica e cultural jamais vista. Seria a censura absoluta e total. Pior ainda, os autores praticariam a auto-censura.

O julgamento da história e a memória colectiva seriam abandonadas a si mesmos, à deriva por labirintos da memória individual, por trilhos ínvios do esquecimento, por deturpações oportunísticas.

Alguém pode defender que o Estado Salazarista não era um Estado fortemente hierarquizado? Alguém de boa vontade pode afirmar que qualquer agente do Estado podia agir por conta própria sem informar o seu superior hierárquico? Alguém pode defender que um caso tão notório como o caso Humberto Delgado estaria consignado ao âmbito de subalternos? É não ter noção mínima do que foi o salazarismo.

Qualquer pessoa minimamente informada sabe que o diretor da PIDE despachava diretamente com Salazar. Ora Salazar escolhia a dedo os seus homens, deles dependia a eficácia do poder, deles dependiam a execução das suas ordens e o cumprimento adequado da sua política.

Querer defender o "bom nome" de seu tio e ao mesmo tempo pretender desresponsabilizá-lo é um contra-senso, para não dizer um mau serviço prestado à "memória" desse alto responsável do Estado Novo. É impensável alhear o major Silva Pais dos actos cometidos pela sua polícia política. Esse papel tem uma configuração histórica própria. Assumi-lo tem mais "dignidade" que a menorização patética, por via pseudo-sentimental, de um parente falecido.

Quem se interessar por este caso e concordar ou discordar com o acima escrito pode dar a sua opinião, divulgar ou simplesmente aderir.

Iva Delgado

1 comentário:

Graza disse...

Dia 6, às 9:30 são as alegações finais, são muitos a apoiar nas redes sociais mas não tantos a estar presentes nas audiências. Os que puderem apareçam.