Portugal está mais rico!
O Poeta Herberto Helder publicou um novo livro: (Já aqui tinha anunciado o livro. Agora comprei-o).
A FACA NÃO CORTA O FOGO - súmula & inéditos, edição da Assírio & Alvim.
Abri o livro ao calhas. Encontrei este poema:
Abre o buraco à força de homem.
faz um segredo:
o tema é: bater a massa enxuta, batê-la a pulso até
que transpire toda, respire
toda,
o negro com o amarelo revolvido,
quebrar a água em cima;
que as lojas convivam: loja da água primeva,
e a do fogo -
entre as coisas desabridas quero a minha arte mulheril, diz
ela, fornalhas:
da altura das mãos à altura dos tectos,
um cântaro abraçado no seu arco vivo,
cântaros,
o estendal do visível,
e riscos e combinação de riscos, riscos de estrelas lapidadas
- sento-me nos tronos um a um, diz ela: é uma sarça:
como se os ímanes corressem pelas limalhas, as substâncias
rebarbativas, substâncias
ao palpite, quantidade
e a qualidade ganha no crivo: o amarelo por instinto
ciência da noite -
alguém levanta-se de um sonho e,
com ferida e minúcia e fervor,
mexe nessas pequenas coisas,
uma técnica do ouro
na escuridão:
por mistério é que existe, por mistério
é transparente, ou vermelha, mistério
é o dom que nem sempre vê quem olha de fora -
exemplos de enquanto se temperam as argilas, se lavram,
e nascem talhas, potes, bilhas, tocamos em louças e elas vibram:
são o adorno e poderio dos sítios onde morremos
- como se diz: pneuma,
terrífica é a terra e no entanto nada mais do que um pouco:
criar matérias -
e depois, a nossos pés, constelações, e as caras
alumbradas pelas áscuas dentro delas, nós, as soberanas
de trono em trono
movendo
as labaredas, coando-as através do elemento água:
se alguém mete de encontro à respiração as corolas cerâmicas das jarras,
faz um segredo, isso: caldeia
os artefactos:
ouro que transborda,
e o mundo.
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