Um excelente artigo da jornalista São José Almeida no Público sobre a última entrevista do 1º Ministro:
O problema é mais profundo e tem a ver com a superficialidade e a falta de rigor com que se faz política em Portugal. O primeiro-ministro saiu-se bem na entrevista à SIC na segunda-feira e deu, mais uma vez, provas de dominar de forma exímia as técnicas do marketing político. E saiu-se bem porque conseguiu marcar politicamente o momento: pediu a maioria absoluta, delimitou o calendário eleitoral, assumiu a recessão económica e clarificou os campos do PS. Ao dizer que este é um partido plural abriu à esquerda do partido e ao frisar que o seu PS não é elitista nem vanguardista isolou Manuel Alegre, que fez questão de considerar sobretudo como histórico do PS e poeta. É certo que José Sócrates respondeu apenas àquilo que quis. É verdade também que, por vezes, respondeu com meias verdades. Resposta parcialmente verdadeira foi, por exemplo, a forma como se referiu à dívida externa. Mas um mínimo de honestidade intelectual obriga a reconhecer que, neste domínio, a meia verdade que o primeiro-ministro disse é de uma enorme importância, para mais quando a aposta em fontes de energia natural é uma das chaves de um desenvolvimento sustentado. Globalmente, portanto, José Sócrates saiu-se bem da entrevista. E saiu-se bem dentro dos padrões do que é o discurso político e a forma de fazer política em Portugal. E se as fugas do primeiro-ministro ou o ar atrapalhado que por vezes deixou escapar ficaram mais evidentes, não foi tanto porque elas sejam inéditas em anteriores entrevistas suas. O que se passou foi que José Sócrates foi confrontado com uma atitude atenta, preparada e agressiva por parte dos dois jornalistas que conduziram a entrevista, Ricardo Costa e José Gomes Ferreira, atitude, essa sim, rara no jornalismo português. José Sócrates não teve espaço para fazer as suas célebres prédicas propagandísticas, em que está habituado a brilhar. Desta vez, os jornalistas tentaram fazer o primeiro-ministro dançar de forma diferente. E isso foi a novidade, se bem que a agressividade do questionário possa resultar, aos olhos de muitos cidadãos, como uma espécie de massacre que acaba por vitimizar o entrevistado e jogar a seu favor. No que diz respeito ao conteúdo, se houve respostas que não foram e podiam ser dadas, o que é facto é que José Sócrates foi, mais uma vez, exímio a fazer aquilo que sabe fazer muitíssimo bem: assumir-se como o campeão da preocupação com o país e com o bem-estar dos portugueses. E é certo que, para as pessoas que assistiram à entrevista pela televisão, é reconfortante ver o ar convicto, seguro e determinado com que o primeiro-ministro desempenha esse papel. E por muito que uma análise mais cínica possa atribuir toda essa convicção a uma encenação para ganhar votos, a verdade é que a imagem do político empenhado e apostado em resolver os problemas e "salvar" a economia, as empresas e as famílias passou bem. Daí que, por muito que analisando em pormenor e do ponto de vista de alguns conteúdos individuais e especializados a entrevista possa ser considerada frágil em certos aspectos, a imagem global que transparece para o cidadão comum é a de um homem apostado em resolver os problemas e que só não faz mais porque não pode - chegando ao ponto de inteligentemente garantir que não vai mais longe porque não é vidente. Oproblema da entrevista de José Sócrates à SIC não é um problema exclusivo desta entrevista. A entrevista do primeiro-ministro à SIC foi até um bom momento de telemarketing político. O problema é mais profundo e tem a ver com a superficialidade e a falta de rigor com que se faz política em Portugal. E desta lacuna não é sequer o primeiro-ministro quem mais sofre. A esmagadora maioria das vezes o discurso político em Portugal é genérico, superficial, vazio. Uma pobreza que tem vindo a agravar-se com os anos e que poderá eventualmente estar ligada ao desfasamento entre os cidadãos e os partidos políticos. Muitos dirigentes partidários consideram suficiente dizer umas vulgaridades, defender umas generalidades, proclamar umas frases de efeito fácil e apresentar umas ideias redundantes e redondas, sem terem nada de concreto, uma aresta, uma ponta por onde possam ser agarradas. A falta de profissionalismo e de preparação dos políticos em Portugal vê-se na própria forma como funcionam os partidos. Recorrem a agências de comunicação e a técnicos de publicidade, apostando em marketing político de forma intensa. Mas o investimento fica-se por aí. Os partidos portugueses não possuem departamentos técnicos. Não têm assessores especializados que se dediquem a acompanhar as áreas de forma profissional. Muitas vezes, os assessores têm de atalhar a assuntos diversos e díspares. Já para não falar de que muito desse trabalho é feito pro bono, por amor à camisola. A título de exemplo, refira-se como funciona o Parlamento. Quantos assessores existem em cada grupo parlamentar para dar apoio aos deputados, para além do trabalho que prestam às direcções das bancadas? A lógica da vida política portuguesa é a do amadorismo, do nacional-porreirismo. Toda a gente faz tudo e ninguém tem preparação específica para coisa nenhuma. Vai-se desenrascando umas coisas, fazendo umas flores e ganhando umas eleições. Monta-se a bicicleta do poder - dos vários poderes, incluindo o de ser oposição - e vai-se pedalando despreocupadamente, empurrando os problemas com a barriga e improvisando umas soluções. Sem reflexão, sem estudo, sem preparação, sem maturação, sem análise, sem rigor. É por isso que, quando dois jornalistas decidem fugir à regra das entrevistas pé-de-microfone, se preparam e atacam as questões com dados, com números, com rigor, de repente todos gritam: "O rei vai nu!" Mas, de facto, José Sócrates - que até é dos políticos portugueses que mais importância dá à comunicação da sua mensagem e melhor se prepara para se apresentar na televisão, sempre munido de dados e de pormenores que o fazem brilhar, mesmo quando nada diz de realmente novo ou importante - apareceu igual a si mesmo, porque se limitou ao seu trivial marketing político.
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