quinta-feira, 18 de junho de 2009

"Israel - Palestina"


Artigo de Alain Gresh

O discurso de Netanyahu: um não-acontecimento

A semana foi crucial para o Médio Oriente, mas terminou com um não-acontecimento: um grande discurso de Benjamin Netanyahu. O primeiro-ministro israelita dizia que ia apresentar as suas ideias para a paz, em resposta às solicitações da comunidade internacional e, também, ao discurso do presidente Barack Obama no Cairo. Tendo em conta que Netanhyau assumiu funções a 31 de Março de 2009, terá portanto precisado de 75 dias para definir as suas «ideias» sobre o problema crucial do Médio Oriente. E, como era de esperar, o seu discurso é vazio: simplesmente permite adiar, uma vez mais, qualquer discussão séria sobre a paz.

Netanyahu aceitou, renitentemente, a ideia de um Estado palestiniano totalmente desmilitarizado, cujo espaço aéreo seria controlado por Israel e que não incluiria Jerusalém, que se manteria unificada e capital apenas de Israel. Além disso, o Estado palestiniano teria que reconhecer o Estado de Israel como a nação do povo judeu, esquecendo de passagem o destino de 1,5 milhões de palestinianos, cidadãos (de segunda categoria) deste Estado. Netanyahu sabe que estas condições são, todas elas, inaceitáveis, tanto mais que nada diz sobre as fronteiras deste futuro Estado: Israel não tenciona minimamente retirar-se para as fronteiras de 4 de Junho de 1967, como lhe é imposto por todas as resoluções das Nações Unidas adoptadas há mais de 40 anos.

Aqui na África do Sul, onde estou durante alguns dias, o Estado palestiniano projectado faz recordar os bantustões «independentes» criados pelo regime do Apartheid, com uma diferença assinalada por muitos militantes que combateram o regime sul-africano na década de 970: nessa altura, o governo branco tentava desenvolver os bantustões, construir infra-estruturas (aeroportos, edifícios imponentes, etc.) para dar credibilidade à sua independência; e nunca esse governo usou a aviação para bombardear os bantustões…

Netanyahu afirmou que Israel não construiria novos colonatos, mas que os existentes deveriam poder responder ao crescimento natural da população. Recorde-se que os sucessivos governos israelitas sempre mentiram a este respeito, e não apenas deixando construir novos colonatos, a que chama ilegais mas que subsistem. Com efeito, o crescimento «natural» dos colonatos é três vezes superior ao de Israel. Existem hoje 300 000 colonos na Cisjordânia e 200 000 em Jerusalém Oriental, onde os projectos continuam a multiplicar-se. Mesmo que o governo israelita anuncie oficialmente a suspensão total da expansão dos colonatos, isso não tem qualquer credibilidade. Todos os observadores no terreno realçam a centralidade dos colonatos no sistema global de segurança de Israel, pela forma como estão ligados por estradas e infra-estruturas que não cessam de se multiplicar. Só o reconhecimento pelo governo israelita do carácter ilegal destes colonatos e da sua necessária evacuação poderia dar uma certa credibilidade a negociações de paz.

Para Netanyahu, as raízes do conflito não são a ocupação, a política de colonização e a discriminação dos palestinianos, mas «foi e continua a ser a recusa de reconhecer o direito do povo judeu a um Estado na sua pátria histórica». É por isso que se dirige aos países árabes pedindo-lhes que normalizem imediatamente as relações com Israel, o que teria como única consequência isolar um pouco mais os palestinianos e afastar qualquer paz real. Como explica Akiva Eldar no diário Haaretz («Netanyahu, Mideast Peace and a Return to the Axis of Evil», 15 de Junho):

«Benyamin Netanyahu fez um discurso patriarcal, colonialista, na melhor tradição neoconservadora. Os árabes são os maus ou, na melhor hipótese, terroristas pouco agradecidos. Os judeus, como é evidente, são amáveis, pessoas racionais que querem criar os filhos e cuidar deles. Na Cisjordânia, no colonato de Itamar, até está a construir-se um infantário…»

Alguns dirigentes da coligação governamental criticaram o primeiro-ministro por ter cedido às pressões americanas («Likud Members Say PM Gave in to US Pressure », Ynet, 14 de Junho), o que vai permitir que Netanyahu use o pretexto das tensões dentro do governo para travar qualquer avanço substancial.

Os palestinianos rejeitaram, como é evidente, as propostas israelitas e acusaram Netanyahu de sabotar os esforços de paz.

O presidente Obama disse que essas propostas eram «um passo em frente». Mas em direcção a quê?

O que vai acontecer agora é que os protagonistas vão discutir, durante meses, o significado do congelamento dos colonatos, as características do futuro Estado palestiniano – que de Estado só terá o nome –, o ódio dos árabes e dos palestinianos em relação a Israel. Enquanto isso, o número de colonos vai aumentar, a expulsão dos palestinianos de Jerusalém Oriental vai prosseguir, os 100 000 prisioneiros palestinianos vão continuar na prisão… Para já não falar do bloqueio de Gaza, amplamente esquecido, que impede qualquer reconstrução e reduz à miséria centenas de milhares de habitantes…

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