segunda-feira, 29 de junho de 2009

Manifestos


Um conjunto de 51 economistas e cientistas sociais publicaram um Manifesto intitulado O debate deve ser centrado em prioridades: só com emprego se pode reconstruir a economia

Contrariamente a outros, não nos parece um contraponto ao chamado Manifesto dos 28. Antes são e têm objectivos diferentes. O dos 28, independentemente dos aspectos positivos que possa ter, é centrado num Apelo à reavaliação dos grandes investimentos públicos, enquanto o outro, o dos 51 não se fica por uma problemática meramente economicista, antes reflecte preocupações de carácter social. Propõe a canalização dos investimentos públicos para outras áreas e tem no combate ao desemprego uma opção de combate à crise nacional e internacional.

É com este que nos identificamos sem qualquer dúvida:

Estamos a atravessar uma das mais severas crises económicas globais de sempre. Na sua origem está uma combinação letal de desigualdades, de especulação financeira, de mercados mal regulados e de escassa capacidade política. A contracção da procura é agora geral e o que parece racional para cada agente económico privado – como seja adiar investimentos porque o futuro é incerto, ou dificultar o acesso ao crédito, porque a confiança escasseia – tende a gerar um resultado global desastroso.

É por isso imprescindível definir claramente as prioridades. Em Portugal, como aliás por toda a Europa e por todo o mundo, o combate ao desemprego tem de ser o objectivo central da política económica. Uma taxa de desemprego de 10% é o sinal de uma economia falhada, que custa a Portugal cerca de 21 mil milhões de euros por ano – a capacidade de produção que é desperdiçada, mais a despesa em custos de protecção social. Em cada ano, perde-se assim mais do que o total das despesas previstas para todas as grandes obras públicas nos próximos quinze anos. O desemprego é o problema. Esquecer esta dimensão é obscurecer o essencial e subestimar gravemente os riscos de uma crise social dramática.

A crise global exige responsabilidade a todos os que intervêm na esfera pública. Assim, respondemos a esta ameaça de deflação e de depressão propondo um vigoroso estímulo contracíclico, coordenado à escala europeia e global, que só pode partir dos poderes públicos. Recusamos qualquer política de facilidade ou qualquer repetição dos erros anteriores. É necessária uma nova política económica e financeira.

Nesse sentido, para além da intervenção reguladora no sistema financeiro, a estratégia pública mais eficaz assenta numa política orçamental que assuma o papel positivo da despesa e sobretudo do investimento, única forma de garantir que a procura é dinamizada e que os impactos sociais desfavoráveis da crise são minimizados. Os recursos públicos devem ser prioritariamente canalizados para projectos com impactos favoráveis no emprego, no ambiente e no reforço da coesão territorial e social: reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis, modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais como saúde, justiça e educação.

Desta forma, os recursos públicos servirão não só para contrariar a quebra conjuntural da procura privada, mas também abrirão um caminho para o futuro: melhores infra-estruturas e capacidades humanas, um território mais coeso e competitivo, capaz de suportar iniciativas inovadoras na área da produção de bens transaccionáveis.

Dizemo-lo com clareza porque sabemos que as dúvidas, pertinentes ou não, acerca de alguns grandes projectos podem ser instrumentalizadas para defender que o investimento público nunca é mais do que um fardo incomportável que irá recair sobre as gerações vindouras. Trata-se naturalmente de uma opinião contestável e que reflecte uma escolha político-ideológica que ganharia em ser assumida como tal, em vez de se apresentar como uma sobranceira visão definitiva, destinada a impor à sociedade uma noção unilateral e pretensamente científica.

Ao contrário dos que pretendem limitar as opções, e em nome do direito ao debate e à expressão do contraditório, parece-nos claro que as economias não podem sair espontaneamente da crise sem causar devastação económica e sofrimento social evitáveis e um lastro negativo de destruição das capacidades humanas, por via do desemprego e da fragmentação social. Consideramos que é precisamente em nome das gerações vindouras que temos de exigir um esforço internacional para sair da crise e desenvolver uma política de pleno emprego. Uma economia e uma sociedade estagnadas não serão, certamente, fonte de oportunidades futuras.

A pretexto dos desequilíbrios externos da economia portuguesa, dizem-nos que devemos esperar que a retoma venha de fora através de um aumento da procura dirigida às exportações. Propõe-se assim uma atitude passiva que corre o risco de se generalizar entre os governos, prolongando o colapso em curso das relações económicas internacionais, e mantendo em todo o caso a posição periférica da economia portuguesa.

Ora, é preciso não esquecer que as exportações de uns são sempre importações de outros. Por isso, temos de pensar sobre os nossos problemas no quadro europeu e global onde nos inserimos. A competitividade futura da economia portuguesa depende também da adopção, pelo menos à escala europeia, de mecanismos de correcção dos desequilíbrios comerciais sistemáticos de que temos sido vítimas.

Julgamos que não é possível neste momento enfrentar os problemas da economia portuguesa sem dar prioridade à resposta às dinâmicas recessivas de destruição de emprego. Esta intervenção, que passa pelo investimento público económica e socialmente útil, tem de se inscrever num movimento mais vasto de mudança das estruturas económicas que geraram a actual crise. Para isso, é indispensável uma nova abordagem da restrição orçamental europeia que seja contracíclica e que promova a convergência regional.

O governo português deve então exigir uma resposta muito mais coordenada por parte da União Europeia e dar mostras de disponibilidade para participar no esforço colectivo. Isto vale tanto para as políticas destinadas a debelar a crise como para o esforço de regulação dos fluxos económicos que é imprescindível para que ela não se repita. Precisamos de mais Europa e menos passividade no combate à crise.

Por isso, como cidadãos de diversas sensibilidades, apelamos à opinião pública para que seja exigente na escolha de respostas a esta recessão, para evitar que o sofrimento social se prolongue.

-Manuel Brandão Alves, Economista, Professor Catedrático, ISEG;
-Carlos Bastien, Economista, Professor Associado, ISEG;
-Jorge Bateira, Economista, doutorando, Universidade de Manchester;
-Manuel Branco, Economista, Professor Associado, Universidade de Évora;
-João Castro Caldas, Engenheiro Agrónomo, Professor Catedrático, Departamento de Economia Agrária e Sociologia Rural do Instituto Superior de Agronomia;
-José Castro Caldas, Economista, Investigador, Centro de Estudos Sociais;
-Luis Francisco Carvalho, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
-João Pinto e Castro, Economista e Gestor;
-Ana Narciso Costa, Economista, Professora Auxiliar, ISCTE-IUL;
-Pedro Costa, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
-Artur Cristóvão, Professor Catedrático, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro;
-Álvaro Domingues, Geógrafo, Professor Associado, Faculdade da Arquitectura da Universidade do Porto;
-Paulo Areosa Feio, Geógrafo, Dirigente da Administração Pública;
-Fátima Ferreiro, Professora Auxiliar, Departamento de Economia, ISCTE-IUL;
-Carlos Figueiredo, Economista; Carlos Fortuna, Sociólogo, Professor Catedrático, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
-André Freire, Politólogo, Professor Auxiliar, ISCTE;
-João Galamba, Economista, doutorando em filosofia, FCSH-UNL;
-Jorge Gaspar, Geógrafo, Professor Catedrático, Universidade de Lisboa;
-Isabel Carvalho Guerra, Socióloga, Professora Catedrática;
-João Guerreiro, Economista, Professor Catedrático, Universidade do Algarve;
-José Manuel Henriques, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
-Pedro Hespanha, Sociólogo, Professor Associado, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
-João Leão, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
-António Simões Lopes, Economista, Professor Catedrático, ISEG;
-Margarida Chagas Lopes, Economista, Professora Auxiliar, ISEG;
-Raul Lopes, Economista, Professor Associado, ISCTE-IUL;
-Francisco Louçã, Economista, Professor Catedrático, ISEG;
-Ricardo Paes Mamede, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
-Tiago Mata, Historiador e Economista, Universidade de Amesterdão;
-Manuel Belo Moreira, Engenheiro Agrónomo, Professor Catedrático, Departamento de Economia Agrária e -Sociologia Rural, Instituto Superior de Agronomia;
-Mário Murteira, Economista, Professor Emérito, ISCTE- IUL;
-Vitor Neves, Economista, Professor Auxiliar, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
-José Penedos, Gestor;
-Tiago Santos Pereira, Investigador, Centro de Estudos Sociais;
-Adriano Pimpão, Economista, Professor Catedrático, Universidade do Algarve;
-Alexandre Azevedo Pinto, Economista, Investigador, Faculdade de Economia da Universidade do Porto;
-Margarida Proença, Economista, Professora Catedrática, Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho;
-José Reis, Economista, Professor Catedrático, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
-João Rodrigues, Economista, doutorando, Universidade de Manchester;
-José Manuel Rolo, Economista, Investigador, Instituto de Ciências Sociais;
-António Romão, Economista, Professor Catedrático, ISEG-UTL;
-Ana Cordeiro Santos, Economista, Investigadora, Centro de Estudos Sociais;
-Boaventura de Sousa Santos, Sociólogo, Professor Catedrático, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
-Carlos Santos, Economista, Professor Auxiliar, Universidade Católica Portuguesa;
-Pedro Nuno Santos, Economista;
-Mário Rui Silva, Economista, Professor Associado, Faculdade de Economia do Porto;
-Pedro Adão e Silva, Politólogo, ISCTE;
-Nuno Teles, Economista, doutorando, School of Oriental and African Studies, Universidade de Londres;
-João Tolda, Economista, Professor Auxiliar, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
-Jorge Vala, Psicólogo Social, Investigador;
-Mário Vale, Geógrafo, Professor Associado, Universidade de Lisboa.

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