terça-feira, 29 de maio de 2012

"Mulheres de armas"

É já dia 31 o lançamento do livro Mulheres de Armas de Isabel Lindim. Na Ler Devagar às 19:00 horas.

Sobre o livro:

Na contracapa


As histórias contadas em Mulheres de Armas poderiam fazer parte de um romance, mas aconteceram de facto, na década de 1970, e fazem parte da história da luta anti-fascista em Portugal. Nos anos que antecederam a Revolução de Abril de 1974, existiram grupos de acção armada, formados por cidadãos que não acreditavam que o regime cairia por si.


Uma dessas organizações chamava-se Brigadas Revolucionárias e durante quatro anos, de 1970 a 1974, combateu a ditadura e criou uma nova forma de luta. Com alguma ingenuidade mas muita perícia, este grupo conseguiu abalar o sistema e desorientar a polícia do Estado. O principal objectivo era boicotar a política colonial, daí que os alvos primordiais das acções fossem quartéis e material militar, seguindo o princípio de não afectar vidas humanas.

Quando, em 2007, a jornalista Isabel Lindim começou a recolher documentos sobre as Brigadas Revolucionárias e o Partido Revolucionário do Proletariado, deparou-se com as histórias de várias mulheres ligadas à organização. Mulheres que participaram em acções, colocaram explosivos e assaltaram bancos. Mulheres que se movimentaram na retaguarda das Brigadas e prestaram o apoio fundamental para a formação de uma base sólida de luta.

Das entrevistas realizadas a algumas dessas intervenientes resultaram catorze histórias de mulheres de armas, tanto no sentido figurado como no sentido literal do termo. Ficam assim inscritos na memória os importantes testemunhos de quem esteve nas trincheiras de um combate clandestino, contribuindo para construir o puzzle de uma época da história contemporânea portuguesa.


Texto de São José Almeida, publicado no Público de 28/5/2012

Era muito insatisfatória a vida naquela altura. Era uma noite escura. Vivíamos uma noite escura e éramos meio cegos.” Assim é caracterizado o período final da ditadura, por uma das activistas do Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias (PRP-BR), ouvida sob o seu “nome de guerra” e que é a Joana II, no livro Mulheres de Armas. Histórias das Brigadas Revolucionárias. As acções armadas, os riscos as motivações, da autoria de Isabel Lindim, agora editado pela Editora Objectiva.

Uma das mulheres dessa organização, Isabel do Carmo, é mãe da investigadora Isabel Lindim e faz o prefácio à obra que assume contornos inéditos. A antiga activista e dirigente política fala sobre o feminismo e o papel social e político das mulheres em Portugal, destacando a última geração do combate antifascista, então marcado pelas lutas estudantis e pela contestação à Guerra Colonial. E reflecte também sobre o que foi a história do PRP-BR, de que foi umas das principais dirigentes, em conjunto com Carlos Antunes e com o então seu companheiro, Orlando Lindim Ramos, pai de Isabel Lindim.

“Não foi fácil” fazer esta reconstituição”, explica ao PÚBLICO Isabel Lindim. “Depois da primeira entrevista, com a Marília, começaram a surgir contactos. Falei com o homem que fez mais acções e ele deu-me o contacto de várias”, prossegue a investigadora, acrescentando: “Para algumas, foi um exorcismo e foi difícil que falassem. Outras, logo ao telefone, começavam a contar coisas. Todas as conversas foram mostradas às próprias, para confirmar que podia sair o que saiu”. E lamenta: “A algumas não consegui chegar. Mas se não pusesse fim à recolha, não acabava. Fiz o livro entre 2010 e 2011, ao longo de ano e meio.”


Mulheres que ousaram

Ousar o que só poucos homens tinham coragem de fazer é uma das peculiaridades destas mulheres: integrar acções armadas contra a ditadura. Mesmo assim, Isabel Lindim alerta para que, “apesar de haver algumas mulheres na organização, a política continuava a ser um mundo essencialmente dos homens, ainda mais quando envolvia acções clandestinas” (p. 210).

Mulheres de Armas apresenta-nos, assim, a história de 15 mulheres que, na primeira linha ou na retaguarda, personificaram as 15 acções do PR-PBR, iniciadas em 7 de Novembro de 1971 na sabotagem à sede da NATO na Fonte da Telha, até 9 de Abril de 1974, com a sabotagem ao navio Niassa. Assim surgem-nos as operacionais, ainda sob pseudónimo, Graça, Joana I, Joana II e, assumindo o nome próprio, Maria Elisa da Costa, Maria Patrocínia Raposo Guerreiro, Paula Viana. Ou seja, seis mulheres que desempenharam a tarefa política de colocar bombas, rebentar petardos com panfletos de propaganda política, de assaltar bancos.

Já no apoio a estas acções armadas este livro traz para a história o contributo assumido na primeira pessoa de Teresa Gaivão Veloso, Manuela Lima, Marília Viterbo, Maria João Ceboleiro, Celeste Ceboleiro, Laurinda Queirós, Alexandra Ramos e Joana Lopes. E ainda Luísa Sarsfield Cabral, que, por ser dona de uma casa de apoio onde esteve uma mala com explosivos, sem que ela soubesse do que se tratava, acabou por ser presa pela PIDE com direito a quatro noites de tortura do sono e um mês de isolamento, para ser forçada a falar sobre um assunto que em absoluto desconhecia. Aliás, o segredo era a arma organizacional do PRP–BR. Ninguém sabia nada sobre ninguém ou sabia apenas o essencial.

“A PIDE não teve tempo nem audácia para descobrir a fileira das Brigadas Revolucionárias. Para a polícia política, a organização foi sempre uma incógnita, um grupo difícil de definir, por não se ligar a nenhum partido, e difícil de apanhar, possivelmente porque ninguém estava à espera de que uma organização vinda do nada desatasse a roubar bancos e a destruir alvos militares”, afirma Isabel Lindim, acrescentando: ”Se não tivesse acontecido o 25 de Abril, talvez a polícia tivesse descoberto o rasto da organização e dos elementos. Esta questão nunca foi esquecida pelos intervenientes das BR: um dos princípios alinhavados era o de não se saber muito sobre a vida dos outros. Assim, se fossem forçados a falar, não saberiam o que contar, por muito ‘espremidos’ que fossem” (p. 163-4). Outras regras da organização eram o autofinanciamento, através de assaltos a bancos, e o princípio de que as acções armadas e o rebentamento de bombas em alvos militares não causassem mortes. “Não apadrinhávamos a luta armada violenta, mas achávamos que era necessário fazer qualquer coisa…” (p. 111).

Mesmo assim, uma acção falhada em que a bomba rebentou ao ser instalada levou à morte de dois operacionais, Carlos Curto e Arlindo Garrett. E se mais operacionais não morreram, não foi pela ausência de risco nas operações. Exemplo é a tentativa falhada de colocação de uma bomba no Ministério do Interior, no Terreiro do Paço, através das instalações da Direcção-Geral de Saúde, que funcionava no mesmo edifício, contada no livro por Joana II. “Simulámos uma história em que eu ia pedir emprego de professora. Fiz de grávida. As bombas iam à volta da barriga, sem detonador. Quando cheguei à casa de banho, montei tudo. Eram uma espécie de chouriços, que presumíamos caber na sanita, só que eram demasiado grandes e não cabiam”, relata a operacional do PRP-BR.

“Foi mal previsto, tecnicamente. Tive medo de desmontar a bomba, portanto saí do ministério com ela montada. Na saída, ainda houve um senhor que me deu uma festinha na barriga e perguntou para quando era”, prossegue Joana II e acrescenta: “Quando saí, não vi a pessoa que estava a fazer o apoio de carro e que me levaria dali para fora. Tive de apanhar um táxi e pedir para ir devagar, disse que estava maldisposta por causa da gravidez.” E conclui: “Quando cheguei à casa onde estava a Isabel do Carmo e as outras pessoas, ia com a bomba montada. Ela disse para toda a gente sair e ajudou-me a desmontar os explosivos. Fiquei triste por não ter conseguido, porque corri todos os riscos sem efeito nenhum" (p. 112)


Fontes: Entre as brumas da memória e Público

Sem comentários: