O impeachment de Dilma representa a quebra do grande contrato social firmado no Brasil após 20 anos de ditadura, a Constituição de 1988
O impeachment de Dilma Rousseff não é o mero fim de um processo previsto em lei executado por vias tortas. É algo mais profundo. É a quebra do grande contrato social firmado no Brasil após 20 anos de ditadura, a Constituição de 1988. É o fim da Nova República.
A Constituição de 1988 colocou no papel o sonho de um país moderno, inclusivo, garantindo o direito a todos os cidadãos à saúde, à educação. Foi o sonho de uma social-democracia tropical, de diminuir a pobreza e dar dignidade a setores que jamais haviam sido incluídos nas políticas públicas.
A Constituição foi a convergência de setores que estiveram em lados opostos na ditadura. Foi o documento que acolheu os anseios de grupos que pediam justiça social com a elite econômica que já não via ser um bom negócio viver em um país sob jugo autoritário. Foi a promessa de um novo Brasil, o guia para o país do futuro, que agora passa a ser desmontado antes mesmo de Dilma Rousseff deixar o Palácio do Alvorada.
Nas próximas semanas, os jornalões e a tevê aberta vão defender a proposta do governo ilegítimo de Michel Temer de propor um teto para os investimentos públicos. Se hoje temos na Constituição um mínimo previsto para ser gasto em Educação e Saúde, com a nova emenda a torneira basicamente fecha quando se bate o teto estabelecido. E isso significa o sucateamento de hospitais, da educação pública e de programas sociais.
Note-se que na proposta de Temer não há teto para pagamento dos juros da dívida pública. Quanto a isso, rentistas, empresários e oportunistas sempre terão um argumento pronto: não se pode tolerar a quebra de contrato. Contratou-se, paga-se, dizem.
Ocorre que o que se vê no País é justamente a grande quebra do contrato social, seja com a farsa do impeachment feito sem crime de responsabilidade consensualmente comprovado, seja com os delírios imperiais de um vice decorativo, a apresentar uma agenda de desmonte dos direitos sociais que nem mesmo um presidente eleito pelo voto direto teria a audácia e a capacidade de fazê-lo.
Se tivesse o compromisso de garantir a evolução das políticas públicas e a garantia dos direitos sociais no Brasil, Temer poderia, por exemplo, aumentar a receita do Estado taxando as grandes fortunas ou os lucros e dividendos. Jamais o fará. A conta do atual déficit foi gerada em grande parte pelos subsídios dado a empresários nacionais (que agora querem Dilma fora), a fim de manter o nível de emprego durante a crise. Como é recorrente na história, a conta será paga pelos mais pobres. Nada de novo.
Dilma cometeu erros em seu governo, mas não cai por isso. É afastada por suas virtudes, por se negar a fazer negociatas com os gangsters do Congresso, ao fazer uma política republicana em um país de políticos sórdidos e retrógrados. Dilma cai por ser honesta e se recusar a chafurdar na lama.
Abrimos um novo capítulo em nossa história. Desta vez sem tanques nas ruas, mas com a desfaçatez costumeira dos que ignoram as regras para fazer valer a lei do mais forte, apoiados pela grande imprensa, por um judiciário obscuro e pela elite empresarial que não consegue produzir se não estiver mamando nas tetas generosas do Estado brasileiro.
Nos livros de história, 2016 será registrado com um ano infame, que os contrários ao golpe lembrarão com amargura e que os seus defensores tentarão esquecer para evitar o constrangimento. Por ora, o processo ilegítimo já deixou um legado: uma geração inteira estará rachada politicamente. E os hematomas deste ano levarão décadas para desaparecer.
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