terça-feira, 20 de setembro de 2016

"Desarranjos políticos" - Serge Halimi


Os Estados Unidos celebram em Setembro o Dia do Trabalho. Este ano, o dia terá sido marcado por algo invulgar. Muitos operários e empregados – brancos e masculinos, em particular – terão corrido para os encontros do candidato republicano. Donald Trump cultiva estes apoios fustigando os tratados de comércio livre que precipitaram a desindustrialização dos antigos bastiões industriais do país (ler, na edição de Setembro, a reportagem de Thomas Frank). E que trouxeram, com ela, a desclassificação, a amargura e o desespero do mundo operário. A «lei e ordem» que Trump promete restabelecer são também as da América da década de 1960, na qual, quando se era branco, não era necessário ter conseguido um diploma universitário para garantir um bom salário, dois automóveis por família – e até alguns dias de férias.

Que um multimilionário nova-iorquino com um programa fiscal ainda mais regressivo do que o de Ronald Reagan, e com práticas (fabrico dos seus produtos no Bangladeche e na China, emprego de pessoas sem-papéis nos seus hotéis de luxo) que contradizem a maior parte do que proclama, possa transformar-se em porta-voz do ressentimento operário mais se pareceria com uma aposta se o sindicalismo não tivesse sido enfraquecido. E se, desde há cerca de quarenta anos, os partidos progressistas ocidentais não tivessem constantemente substituído os seus militantes e quadros oriundos do mundo do trabalho por profissionais da política e das relações públicas, por altos funcionários e jornalistas protegidos numa bolha de privilégios.

A esquerda e os sindicatos efectuavam outrora um trabalho diário de educação popular, de constituição de redes territoriais, de «enquadramento» intelectual das populações operárias. Mobilizavam politicamente os seus membros, levavam-nos às urnas quando o seu destino estava em causa, garantiam-lhes protecção social quando o seu futuro económico estava ameaçado. Recordavam a todos as vantagens da solidariedade de classe, a história das conquistas operárias, os perigos da divisão, da xenofobia, do racismo. Este trabalho deixou de se fazer, ou faz-se menos bem . E vê-se quem é que beneficia com isso. As mobilizações sociais, faltando-lhes retransmissores políticos, enterram-se num dilúvio de polémicas identitárias mal marcam passo. E os assassinatos da Organização do Estado Islâmico precipitam este descarrilamento, a tal ponto que este grupo se tornou o principal agente eleitoral da extrema-direita no Ocidente.

Por vezes, basta um detalhe para se apreender todo um quadro ideológico. A 13 de Agosto último, a morte de Georges Séguy foi arrumada em alguns segundos, ou em algumas linhas, por uma comunicação social francesa alistada na guerra contra o burquíni. Talvez muitos jornalistas, cujos conhecimentos históricos se resumem aos acontecimentos fulgurantes dos últimos meses, ignorassem que o defunto dirigiu durante quinze anos o principal sindicato francês. Em breve vão tocar os sinos para nos pedir que defendamos a democracia. Pois ela estaria mais bem segura se populações inteiras não a vissem como um ornamento ao serviço dos privilegiados que as desprezam.


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