quarta-feira, 29 de março de 2017

Brexit - Cartoon


Cartoon de Steve Bell

Sahara - "Marrocos e o saque dos recursos do Sahara Ocidental"


O veredito do Tribunal de Justiça da União Europeia de dezembro de 2016 é um marco na história que o povo saharaui tem empreendido na defesa dos seus recursos naturais. Mas a pilhagem persiste porque a lei continua a ser violada.

“Quaisquer que sejam os acordos de associação e liberalização comerciais entre a União Europeia e Marrocos, não podem incluir o Sahara Ocidental”, determinou o tribunal, o que representa uma vitória muito importante para os saharuis.

Recorde-se que o que o Advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia, Melchior Wathelet, já em setembro passado se tinha pronuniciado no mesmo sentido.

O Tribunal de Justiça da União Europeia veio assim dar razão a Melchior Wathelet, anulando o acórdão do Tribunal Geral que tinha decidido em sentido contrário, negando ainda provimento ao recurso de anulação interposto pela Frente Polisário contra a decisão do Conselho de celebrar o acordo de liberalização comercial.

Este desfechom é uma vitória para os saharauis que a celebraram entusiasticamente, uma vez que a União Europeia demonstrou que não respeita o Direito Internacional já que ela própria o violava. Para além de Marrocos, a França saiu também derrotada, enquanto Espanha é descredibilizada, bem como todos os Estados membros em especial os que interpuseram recurso.

Relembramos que em 19 de fevereiro de 2016, o Conselho da União Europeia interpôs um recurso contra a sentença emitida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que em 10 de Dezembro de 2015 anulou o acordo agrícola entre a UE e Marrocos.

Resta ainda o Acordo de Pescas firmado entre a União Europeia e Marrocos, que levou a Frente Polisário pedir igualmente a sua anulação por incluir as águas territoriais do Sahara Ocidental e cuja sentença deverá ser conhecida nos próximos meses.

E, porque a exploração económica tem sido uma poderosa arma que se interpõe entre o cumprimento da lei e a realização do referendo de autodeterminação dos saharauis, bastaram apenas alguns dias para que Marrocos desafiasse o Tribunal de Justiça da União Europeia.

Em janeiro deste ano,o barco batizado com o nome “Key Bay” entrou no porto de El Aaiun. Há muitos anos que esta embarcação faz o transporte de peixe e óleo de peixe desde o Sahara Ocidental até à Europa.

Segundo a Western Sahara Resource Watch (WSRW) (link is external)- um observatório internacional de defesa dos recursos do Sahara Ocidental - , o “Key Bay” fez escala em Tan Tan uma cidade ao sul de Marrocos, possivelmente para fazer um carregamento rumando depois até El Aaiun, a capital do Sahara Ocidental, onde esse trabalho terá terminado.

O importador destes produtos feitos a partir dos territórios ocupados é provavelmente a Olvea, uma empresa francesa que se negou a responder a qualquer pergunta relacionada com este caso.

O navio em questão é fretado pela Sea Tank Chartering e pertence à empresa Gezina AS, que são duas empresas norueguesas e o seu envolvimento nestas operações ilegais já tinha sido denunciado nos órgãos de comunicação social escandinavos.

Na altura, o navio recolhia os certificados de origem em Tan Tan mas transportava a mercadoria partir de El Aaiun.

Em janeiro, enquanto o navio estava ancorado ao largo do porto de El Aaiun, a WSRW enviou uma carta ao fretador do navio pedindo-lhe para não entrar no porto.

Anteriormente, mais concretamente a 31 de dezembro, o Comité de Apoio da Noruega ao Sahara Ocidental enviou uma carta à Sea Tank, pedindo-lhe para não participar nesta rede de comércio que visa subtrair as riquezas naturais do Sahara Ocidental. A embarcação dirigiu-se então para sul mas manteve-se na costa marroquina.

Em 2010, o transporte de óleo de peixe para a Noruega foi alvo de um documentário feito pela cadeia sueca de televisão SVT, tendo recebido um prémio.

No debate político que se seguiu, o Governo norueguês declarou que os produtos não poderiam entrar na Noruega devido do acordo de comércio entre a EFTA e Marrocos, porquanto o Sahara Ocidental não faz parte do território marroquino

Alterar as rotas para continuar a pilhagem

Para continuar a contornar as determinações superiores, os operadores dos navios alteraram as rotas optando por seguir por França abandonando as águas territoriais dos países nórdicos.

Mas que fazer quando o tribunal diz o mesmo que a Noruega, ou seja, que o Sahara Ocidental não faz parte do acordo?

A Izquierda Unida Canaria (IUC) solicitou às autoridades competentes a inspeção do "Key Bay", que pretendia chegar ao porto de Las Palmas suspeitando-se que podia transportar recursos do Sahara Ocidental, em especial óleo de peixe numa tentativa de exportação ilegal para a União Europeia (UE).

Ramon Trujillo da IUC, foi alertado para a carga que este navio transportava pela WSRW. No entanto, a Autoridade Portuária de Las Palmas informou que o "Key Bay" é um petroleiro com bandeira de Gibraltar que geralmente chega ao porto de La Luz, na capital da Gran Canaria, carregado com combustível e “cumpre todos os requisitos legais” para exercer a sua atividade.

Fontes da Autoridade Portuária confirmaram que o navio chegou na altura prevista tendo procedido à descarga do combustível em El Aaiun. E completou a informação anunciando um novo carregamento na capital da Gran Canaria numa operação acompanhada pelo transitário Viking Star, que não fornece informações sobre os seus clientes.

De acordo com a IUC, o navio poderá estar a desrespeitar o recente acórdão do Tribunal de Justiça da UE, que foi claro na proibição de incluir produtos saharauis no acordo de comércio comunitário com Marrocos.

A embarcação chegou a Las Palmas de Gran Canaria depois de carregar o óleo de peixe a 6 de janeiro em El Aaiun, capital do Sahara Ocidental, navegando depois para a Mauritânia de onde partiu para a Europa para que não se soubesse que estava a violar a lei, de acordo com informações prestadas pela WSRW.

Por seu turno, a IUC lembra em comunicado que a exportação de produtos saharauis por Marrocos significa, em conformidade com o direito internacional e a recente decisão europeia, a subtração ilegal de recursos de um território que está sob ocupação ilegítima e por essa razão as autoridades espanholas devem intervir para não permitir que esta situação continue.

Via esquerda.net

Filme recomendado - "Aquarius"



Realização de Kleber Mendonça Filho

segunda-feira, 27 de março de 2017

"Trump não é um epifenómeno" - José Pacheco Pereira


O seu estilo ajuda a recrutar e ascender gente que faz do bullying um modo de exercer o poder.

World Theatre Day/Dia Mundial do Teatro


World Theatre Day Message 2017 by Isabelle Huppert

So, here we are once more. Gathered again in Spring, 55 years since our inaugural meeting, to celebrate World Theatre Day. Just one day, 24 hours, is dedicated to celebrating theatre around the world. And here we are in Paris, the premier city in the world for attracting international theatre groups, to venerate the art of theatre.
Paris is a world city, fit to contain the globes theatre traditions in a day of celebration; from here in France’s capital we can transport ourselves to Japan by experiencing Noh and Bunraku theatre, trace a line from here to thoughts and expressions as diverse as Peking Opera and Kathakali; the stage allows us to linger between Greece and Scandinavia as we envelope ourselves in Aeschylus and Ibsen, Sophocles and Strindberg; it allows us to flit between Britain and Italy as we reverberate between Sarah Kane and Prinadello. Within these twenty-four hours we may be taken from France to Russia, from Racine and Moliere to Chekhov; we can even cross the Atlantic as a bolt of inspiration to serve on a Campus in California, enticing a young student there to reinvent and make their name in theatre.
Indeed, theatre has such a thriving life that it defies space and time; its most contemporary pieces are nourished by the achievements of past centuries, and even the most classical repertories become modern and vital each time they are played anew. Theatre is always reborn from its ashes, shedding only its previous conventions in its new-fangled forms: that is how it stays alive.
World Theatre Day then, is obviously no ordinary day to be lumped in with the procession of others. It grants us access to an immense space-time continuum via the sheer majesty of the global canon. To enable me the ability to conceptualise this, allow me to quote a French playwright, as brilliant as he was discreet, Jean Tardieu: When thinking of space, Tardieu says it is sensible to ask “what is the longest path from one to another?”...For time, he suggests measuring, “in tenths of a second, the time it takes to pronounce the word ‘eternity’”…For space-time, however, he says: “before you fall asleep , fix your mind upon two points of space, and calculate the time it takes, in a dream, to go from one to the other”. It is the phrase in a dream that has always stuck with me. It seems as though Tardieu and Bob Wilson met. We can also summarise the temporal uniqueness of World Theatre day by quoting the words of Samuel Beckett, who makes the character Winnie say, in his expeditious style: “Oh what a beautiful day it will have been”. When thinking of this message, that I feel honoured to have been asked to write, I remembered all the dreams of all these scenes. As such, it is fair to say that I did not come to this UNESCO hall alone; every character I have ever played is here with me, roles that seem to leave when the curtain falls, but who have carved out an underground life within me, waiting to assist or destroy the roles that follow; Phaedra, Araminte, Orlando, Hedda Gabbler, Medea, Merteuil, Blanche DuBois….Also supplementing me as I stand before you today are all the characters I loved and applauded as a spectator. And so it is, therefore, that I belong to the world. I am Greek, African, Syrian, Venetian, Russian, Brazilian, Persian, Roman, Japanese, a New Yorker, a Marseillais, Filipino, Argentinian, Norwegian, Korean, German, Austrian, English – a true citizen of the world, by virtue of the personal ensemble that exists within me. For it is here, on the stage and in the theatre, that we find true globalization.
On World Theatre Day in 1964, Laurence Olivier announced that, after more than a century of struggle, a National Theatre has just been created in the United Kingdom, which he immediately wanted to morph into an international theatre, at least in terms of its repertoire. He knew well that Shakespeare belonged to the world. In researching the writing of this message, I was glad to learn that the inaugural World Theatre Day message of 1962 was entrusted to Jean Cocteau, a fitting candidate due to his authoring of the book ‘Around the World Again in 80 Days’. This made me realise that I have gone around the world differently. I did it in 80 shows or 80 movies. I include movies in this as I do not differentiate between playing theatre and playing movies, which surprises even me each time I say it, but it is true, that’s how it is, I see no difference between the two.
Speaking here I am not myself, I am not an actress, I am just one of the many people that theatre uses as a conduit to exist, and it is my duty to be receptive to this - or, in other words, we do not make theatre exist, it is rather thanks to theatre that we exist. The theatre is very strong. It resists and survives everything, wars, censors, penury.
It is enough to say that “the stage is a naked scene from an indeterminate time” – all’s it needs is an actor. Or an actress. What are they going to do? What are they going to say? Will they talk? The public waits, it will know, for without the public there is no theatre – never forget this. One person alone is an audience. But let’s hope there are not too many empty seats! Productions of Ionesco’s productions are always full, and he represents this artistic valour candidly and beautifully by having, at the end of one of his plays, and old lady say; “Yes, Yes, die in full glory. Let’s die to enter the legend…at least we will have our street…”
World Theatre Day has existed for 55 years now. In 55 years, I am the eighth woman to be invited to pronounce a message – if you can call this a ‘message’ that is. My predecessors (oh, how the male of the species imposes itself!) spoke about the theatre of imagination, freedom, and originality in order to evoke beauty, multiculturalism and pose unanswerable questions. In 2013, just four years ago, Dario Fo said: “The only solution to the crisis lies in the hope of the great witch-hunt against us, especially against young people who want to learn the art of theatre: thus a new diaspora of actors will emerge, who will undoubtedly draw from this constraint unimaginable benefits by finding a new representation”. Unimaginable Benefits – sounds like a nice formula, worthy to be included in any political rhetoric, don’t you think?...
As I am in Paris, shortly before a presidential election, I would like to suggest that those who apparently yearn to govern us should be aware of the unimaginable benefits brought about by theatre. But I would also like to stress, no witch-hunt!
Theatre is for me represents the other it is dialogue, and it is the absence of hatred. ‘Friendship between peoples’ – now, I do not know too much about what this means, but I believe in community, in friendship between spectators and actors, in the lasting union between all the peoples theatre brings together – translators, educators, costume designers, stage artists, academics, practitioners and audiences. Theatre protects us; it shelters us…I believe that theatre loves us…as much as we love it…
I remember an old-fashioned stage director I worked for, who, before the nightly raising of the curtain would yell, with full-throated firmness ‘Make way for theatre!’ – and these shall be my last words tonight.
Isabelle HUPPERT

Dia Mundial do Teatro: as peças e iniciativas de norte a sul (gratuitas)

quarta-feira, 22 de março de 2017

"The Most Influential Images of All Time" - 9: Eadweard Muybridge


The Horse in Motion - Eadweard Muybridge

When a horse trots or gallops, does it ever become fully airborne? This was the question photographer Eadweard Muybridge set out to answer in 1878. Railroad tycoon and former California governor Leland Stanford was convinced the answer was yes and commissioned Muybridge to provide proof. Muybridge developed a way to take photos with an exposure lasting a fraction of a second and, with reporters as witnesses, arranged 12 cameras along a track on Stanford’s estate.

As a horse sped by, it tripped wires connected to the cameras, which took 12 photos in rapid succession. Muybridge developed the images on site and, in the frames, revealed that a horse is completely aloft with its hooves tucked underneath it for a brief moment during a stride. The revelation, imperceptible to the naked eye but apparent through photography, marked a new purpose for the medium. It could capture truth through technology. Muybridge’s stop-motion technique was an early form of animation that helped pave the way for the motion-picture industry, born a short decade later.

"​Die Eden Projek: Black labour to build the white dream"


Black people will be allowed into the whites-only enclave of Die Eden Projek in the Eastern Cape. They will build the houses, till the land and prepare the food for the white families. And black women will help rear the children brought to this “safe haven” by threatened white people.

Dia Mundial da água


No Dia Mundial da água:

Cádmio, chumbo e muito fósforo poluem Tejo

Pelo Tejo Vai-se para o Mundo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro

terça-feira, 21 de março de 2017

International Day of Forests


International Day for the Elimination of Racial Discrimination


2017 Theme: Racial profiling and incitement to hatred, including in the context of migration

Dia Mundial da Poesia - "ESTE ES EL PRÓLOGO"


Dejaría en este libro
toda mi alma.
Este libro que ha visto
conmigo los paisajes
y vivido horas santas.

¡Qué pena de los libros
que nos llenan las manos
de rosas y de estrellas
y lentamente pasan!

¡Qué tristeza tan honda
es mirar los retablos
de dolores y penas
que un corazón levanta!

Ver pasar los espectros
de vidas que se borran,
ver al hombre desnudo
en Pegaso sin alas,

ver la vida y la muerte,
la síntesis del mundo,
que en espacios profundos
se miran y se abrazan.

Un libro de poesías
es el otoño muerto:
los versos son las hojas
negras en tierras blancas,

y la voz que los lee
es el soplo del viento
que les hunde en los pechos,
entrañables distancias.

El poeta es un árbol
con frutos de tristeza
y con hojas marchitas
de llorar lo que ama.

El poeta es el médium
de la Naturaleza
que explica su grandeza
por medio de palabras.

El poeta comprende
todo lo incomprensible,
y a cosas que se odian,
él, amigas las llama.

Sabe que los senderos
son todos imposibles,
y por eso de noche
va por ellos en calma.

En los libros de versos,
entre rosas de sangre,
van pasando las tristes
y eternas caravanas

que hicieron al poeta
cuando llora en las tardes,
rodeado y ceñido
por sus propios fantasmas.

Poesía es amargura,
miel celeste que mana
de un panal invisible
que fabrican las almas.

Poesía es lo imposible
hecho posible. Arpa
que tiene en vez de cuerdas
corazones y llamas.

Poesía es la vida
que cruzamos con ansia
esperando al que lleva
sin rumbo nuestra barca.

Libros dulces de versos
son los astros que pasan
por el silencio mudo
al reino de la Nada,
escribiendo en el cielo
sus estrofas de plata.

¡Oh, qué penas tan hondas
y nunca remediadas,
las voces dolorosas
que los poetas cantan!

Dejaría en el libro
este toda mi alma...


Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos'

segunda-feira, 20 de março de 2017

"Why 2017 is the year Sisi will sink" - Amr Khalifa


Having crushed all his opponents and muzzled the media, Sisi has no one else to blame for the misery he has brought to Egyptians.

Lettre de Georges Brassens à Roger Toussenot


Georges Brassens (22 octobre 1921 – 29 octobre 1981) célèbre poète-auteur-compositeur et interprète français, a entretenu une correspondance fournie avec son ami philosophe Roger Toussenot entre 1946 et 1950. Entre eux, amitié et complicité se nouent autour de la poésie, comme l’illustre la lettre suivante.

« J’avais primitivement l’intention de répondre à de nombreuses critiques et en même temps d’expliquer quelques questions très simples totalement obscurcies par la lumière moderne : qu’est-ce que la poésie ? etc. etc. Mais j’ai eu l’imprudence de lire ce matin quelques feuilles publiques. Soudain, une indolence du poids de vingt atmosphères s’est abattue sur moi et je me suis arrêté devant l’épouvantable inutilité d’expliquer quoi que ce soit à qui que ce soit. » Charles Baudelaire

Mon cher vieux,

Certes, nous le savons par cœur ce « fragment » — comme tu dis — de la préface de Baudelaire, et tu en possèdes même une copie faite un jour que j’ai secoué ma paresse. Mais, en face d’un monde cruel et perdu, il convient de boire continuellement l’alcool de la lucidité distillé par ce poète grand et pudique. Le métal ne risque rien, diras-tu. Je le pense. Mais il m’arrivait, autrefois, de me laisser aller au charme de mes chants, et ceci devant des individus faits à la diable. C’est pour m’éviter de semblables errements que j’appelle toujours Baudelaire à mon secours. Ne nous y trompons pas : une vigilance assidue peut seule nous aider à échapper à leurs griffes. Les moyens dont ils disposent pour nous diminuer et même nous prostituer sont innombrables et efficaces (exploitation de la vanité surtout). Comme bouclier, nous ne disposons que de notre « tremblement » (je songe à ta fameuse citation de Goethe). Un moment d’inattention, et c’est la ruine, l’abdication, l’engrenage, bref ce que tu appelles « le pluriel », un pluriel qui se croit singulier.

Or, toi, Roger, tu n’as pas le droit de me faire une vacherie pareille. Il en va de même pour moi vis-à-vis de toi. Quelque chose de sacré, et dont nous ne sommes que les artisans, préside au silence entre toi et moi. Dès que quelque chose ne marche pas dans la Solitude, cite et relis un poète ou un philosophe et le salut devient chose visible, possible. Ces conseils, en vérité, c’est à moi plutôt que à toi que je les adresse. Sans doute ai-je confiance en moi, mais je crois encore bien plus à ta résistance qu’à la mienne. Cette impression provient forcément de la connaissance plus intime que j’ai de moi-même, de mes réactions, de mes faiblesses, car je suis un ancien vaniteux, et un vaniteux sournois, mon sang-froid et ma dissimulation me permettant beaucoup. Je voudrais que cet aveu que je confie à un ami exceptionnel représente en quelque sorte l’idée de valeur d’une prise de conscience. (Si Nietzsche écrivait à ma place, il s’en tirerait beaucoup mieux, plus facilement, plus essentiellement ; mais je sais que Toussenot écrit tout ce qu’il lit et qu’il aime. Ah ! mon vieux, que des chefs-d’œuvre tu écris en les lisant, et comme cela est dommage pour ton œuvre personnelle ! Ta faiblesse est dans ton manque d’égoïsme.)

Je viens de recevoir ta missive du 15 et je me suis aperçu que tout ce que j’ai écrit ici se trouve confirmé, donc rendu inutile, avec la fulgurance habituelle, par tes propos sur l’auteur des Fleurs du mal et sur ma personne. Merci, cher ami. Devant toi je me sens si sûr de ma RÉALITÉ que le silence est le seul langage essentiel. La fête continue. Autour des baraques foraines, les braves gens nous crachent au visage. Pour les uns, nous faisons figure d’extravagants, de maniaques ; pour les autres, de niais, d’ignorants, de sots, de pauvres cons. C’est le meilleur signe ! Donc nous sommes vrais ! Notre fête durera après que les lampions seront éteints. Nous écoutons d’un air distrait le bavardage des « engagés », beaucoup plus — le croiras-tu ? — sous ta plume que dans la réalité. J’aime infiniment ton aphorisme : « On croit que je n’écoute pas : c’est que j’entends trop. » Cette phrase nous résume prodigieusement. Je suis sûr que des hommes la citeront dans 50 ans.

Terminant ta lettre de dimanche, tu t’excusais d’être bref. Erreur d’optique. Hallucination. Moi je l’ai trouvée plus longue que bien d’autres ! Elle est réconfortante.

Corne d’Auroch t’a envoyé sa longue lettre hier, sans me la montrer bien entendu – ce qui n’a aucune importance. Il y a longtemps que je sais ce qu’il est capable et incapable décrire. Émile, c’est le dernier enfant-témoin de notre enfance. Toi, tu es l’ami du meilleur de moi-même.

J’ai vu quatre ou cinq fois le Succube. J’ai l’impression que ma présence ne peut plus rien pour elle. Je suis « gentil » au maximum. Je lui explique même ma « poétique ». Elle dévore les bibliothèques, mais ton départ l’a tuée. Elle ne sait plus écrire, dit-elle ; elle entend par là qu‘elle se sent maintenant incapable de tenir une plume entre ses doigts. Ne nous y trompons pas. Le ressort semble cassé. La douleur de cette pauvre fille si généreuse me chagrine. Que faire ? Je ne puis rien. Et mon sexe ne servirait à rien : le mal est dans le cerveau. Les Jeunes Amoureux viendront te trouver dans quelques jours. Je crois qu’ils t’apporteront du plaisir.

Quand tu ne reçois rien de moi, ne t’effraye pas : je suis toujours avec toi et je suis plus près de toi quand je n’ai pas de plume à la main. Nous t’embrassons.

Georges

"The EU’s Road to Rome" - Ana Palacio


At the end of this month, European Union leaders (except for British Prime Minister Theresa May) will gather in Italy to celebrate the 60th anniversary of the Treaty of Rome. Anniversary celebrations are always a good excuse for self-congratulation, and the rhetoric filling the air in the run-up to the Rome summit suggests that this one will be no different. But EU leaders should also be using the anniversary as an opportunity to reflect deeply on the project they are celebrating.

domingo, 19 de março de 2017

"MASSACRE DE MANAUS EXPÕE FALÁCIA DA PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS" - João Filho


... O Massacre de Manaus expôs a falácia de que a privatização de presídios traz eficiência para o sistema. O Compaj (Complexo Penitenciária Anísio Jobim) foi concedido à iniciativa privada há mais de dois anos e abrigava durante a rebelião o triplo de detentos em relação a sua capacidade, segundo o próprio governo do Estado. Peritos ouvidos pelo UOL afirmaram que a gestão terceirizada facilitou o massacre. Numa inspeção realizada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em outubro do ano passado, o Compaj foi classificado como “péssimo” para a ressocialização dos presos, que estão sem nenhuma assistência social, jurídica, educacional e de saúde – uma tragédia anunciada. Ainda segundo o relatório do CNJ, presos que ainda não foram condenados pela Justiça ficam em celas com outros já condenados. Ou seja, um inocente ou um ladrão de goiaba pode desfrutar da convivência diária com um líder de facção criminosa de alta periculosidade condenado por homicídio. O crime organizado agradece ao Estado pelos serviços prestados nessa parceria de sucesso....

Filme recomendado - "São Jorge"



Realização de Marco Martins

Grande Nuno Lopes

Livro recomendado - "Morrer sozinho em Berlim"


quinta-feira, 16 de março de 2017

"The Woman Who Made Science Beautiful" - Andrea Wulf


Where others sought separation, Maria Sibylla Merian saw connection.

Maria Sibylla Merian

Dossier "Lives in Limbo: Homelessness in America" - "POOR SAMARITAN" by Dorothy Day


Every morning at ten o’clock, as I stood at the kitchen sink and finished the breakfast dishes, I could hear him pecking up the street on his wooden leg. I lived in the basement of a remodelled corner house in the East Fifties. From the front windows on First Avenue I could almost see the East River—anyway, I could hear the boat whistles. The apartment ran the length of the house, so that the kitchen at the back and the small garden adjoining it were adjacent to the side street. I called that tiny patch of ground a garden, and so did the real-estate man who leased me the place, but it held little privacy. It was separated from the street only by a high railing, and passersby could almost tell what we were drinking on those afternoons when I entertained my friends out of doors.

He would stop outside the railing and call to me through the open kitchen door. The first time he appeared, I was about to refuse whatever appeal he might make, for I was continually pestered by tramps and I had grown hard. Then I saw the wooden leg. There was a piece of ham in the icebox, and I cut some bread, buttered it, and made him a sandwich. I handed it to him through the railing and gave him a glass of milk. He put down the small bundle of wood he was carrying and found a niche between my garden and the next house, where he sat down.

“My breakfast nook,” he said. He told me times were hard, a fact of which I was not entirely unaware myself. He had been a piano-maker, he said, but pianos weren’t what they used to be. “The radio, you know, lady.” I said I knew. He went on to tell me that he lived in a cellar on First Avenue and picked up a few cents every day selling wood. When he had finished his breakfast, I offered him a cigarette. He snatched at it so eagerly that I gave him the remainder of the pack and some matches.

These morning calls continued for weeks. I always gave my visitor a sandwich, and milk in the glass which I kept specially for him on the windowsill. One day he appeared pushing his bundle of wood in a baby carriage.

“It’s a great help, lady,” he said. “I found it in a dump heap.”

I made him an egg sandwich that morning, because I had dined out the night before and had no leftovers. It seemed to me that he took it with less relish than usual, and I supposed he didn’t like eggs.

Then he failed to appear for a few days, and I began to worry about him. Each morning I waited for the peck-peck of his wooden leg, and when at last I heard him tapping his way up the street, I ran out into the garden to greet him. There was some nice duck left from the previous night’s dinner, and while duck was not my idea of breakfast, I knew my friend must have less conventional notions about diet.

“Hello!” I called. “I’ve been looking out for you.”

He stopped reluctantly. “Thanks, lady,” he said, “but the people across the street are expecting me, I guess. They been feeding me lately. Thanks just the same.”

There was a smart private house across the street, and the people who lived there gave big dinner parties. Almost every evening I watched the arrival of fashionably dressed guests in limousines. They must have had very nice leftovers.

I never met my friend again. He went all around the block to avoid my house. I guess he didn’t want to hurt my feelings.

terça-feira, 14 de março de 2017

"União Europeia: para onde vai o pelotão da frente?" - José Castro Caldas


Na sequência da crise do euro e das consequências do «Brexit», vai fazendo caminho na União Europeia a ideia da constituição de um pelotão da frente. Enveredando por uma governação à distância que eterniza as políticas neoliberais e de austeridade, tem Portugal vantagem em acompanhar esse núcleo duro? Por outro lado, ficando agrupado numa periferia sujeita ao euro e cada vez mais arredado das decisões com este relacionadas, que futuro tem a integração do país na arquitectura institucional e monetária europeia? Um debate urgente, com escolhas dilemáticas, para pensar alternativas.

Integrar o pelotão da frente», garantir a participação de Portugal no núcleo fundador da União Económica e Monetária! – na década de 1990, em Portugal, nada havia de mais importante para o centro político. Poucos eram os que perguntavam «para onde vai o pelotão da frente» ou «qual o lugar de Portugal no pelotão».

Hoje, depois de uma crise global que nos colheu vulneráveis no tal «pelotão», é mais fácil avaliar a decisão de adesão, tomada sem discussão e sem sufrágio. A decisão foi errada. Mas o reconhecimento do erro de nada serve se não tiver tradução prática. Depois do «Brexit», o debate, que de momento decorre em surdina, e as decisões sobre a reconfiguração da arquitectura institucional da União Europeia não poderão ser adiados por muito mais tempo. O governo português terá de formular uma posição nesses debates e intervir neles com o propósito de corrigir os erros do passado. Existe uma estratégia?

Para considerar as alternativas que se perfilam e reflectir acerca de estratégias devemos ter presentes as transformações institucionais ocorridas na União Europeia no contexto de excepção da crise do euro, os planos de reforma «oficialmente» divulgados pelos principais actores institucionais, e também as propostas «informais » ocasionalmente aventadas por governantes dos Estados-membros mais influentes.

Reconfiguração institucional em contexto de emergência

A crise do euro impulsionou uma reconfiguração institucional da União Europeia, sub-reptícia, mas muito profunda, que deu origem ao que pode ser designado como um novo regime de «governação à distância».

Esta reconfiguração decorreu de um diagnóstico particular que atribuiu a crise do euro a políticas orçamentais laxistas dos países da «periferia» e a aumentos incontrolados dos «custos» salariais nesses mesmos países, omitindo qualquer referência a deficiências da moeda única e a políticas de desvalorização interna competitiva conducentes à acumulação de excedentes externos em alguns países e à sua reciclagem sob a forma de crédito aos sistemas bancários de países periféricos.

À luz deste diagnóstico, era preciso em primeiro lugar, subtrair autonomia aos Estados-membros na esfera orçamental, garantindo a participação da Comissão Europeia e do Conselho Europeu no desenho dos orçamentos e o condicionamento do processo deliberativo nos parlamentos nacionais por negociações prévias entre as instituições europeias e os governos. Isso mesmo foi conseguido com a instituição do Semestre Europeu, em Setembro de 2011, com o «Six Pack» (13 de Dezembro de 2011), com o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (2 de Março de 2012) e, ainda mais, com o «Two Pack» (30 de Maio de 2013).

Era preciso ainda, sob o pretexto dos efeitos sistémicos no conjunto da União das reformas realizadas em cada Estado (ou da falta delas), alterar a delimitação de competências entre os Estados-membros e a União e submeter as políticas sociais e de emprego aos braços, preventivos e correctivos, da União. A esse objectivo correspondeu o Pacto para o Euro Mais e o Procedimento por Desequilíbrio Macroeconómico incluído no «Six Pack».

No Pacto para o Euro Mais, os Estados signatários comprometeram-se a coordenar políticas em áreas da sua estrita competência, e assumiram a obrigação de consultar os seus parceiros antes da introdução de reformas económicas que possam ter efeitos de derrame (spillover) sobre o conjunto da União. O Pacto especifica a orientação de algumas medidas: compressão dos custos unitários do trabalho, alteração dos regimes de contratação colectiva e negociação salarial, abertura de sectores protegidos da concorrência, redução de «custos de contexto» para as empresas.

No domínio da prevenção e controlo de «desequilíbrios macroeconómicos», o «Six Pack» estabeleceu um conjunto muito preciso de dimensões de avaliação e de indicadores – do saldo da balança corrente, das taxas de câmbio efectivas e dos custos unitários de trabalho até à evolução dos preços do imobiliário, o endividamento privado e as taxas de desemprego. A violação dos limites especificados nos indicadores referentes a cada uma das dimensões de avaliação pode levar à identificação de «desequilíbrios excessivos », cuja correcção se torna obrigatória através de meios especificados em «recomendações» e sujeita a sanções em caso de incumprimento.

O regime de governação económica que resulta das alterações institucionais da União Europeia é efectivamente novo, no sentido em que comporta três traços que o distinguem dos anteriores: a pretensa despolitização da governação económica; a alteração das fronteiras entre domínios de política, separando o que é de competência dos Estados-membros do que compete à União; e a especificação neoliberal do conteúdo das políticas.

A pretensa despolitização tem expressão, quer na codificação de critérios quantitativos de avaliação dos resultados das políticas orçamentais, económicas e sociais, cuja violação conduziria à aplicação (desejavelmente automática) de sanções, quer na atribuição de prerrogativas no processo orçamental à tecnocracia da Comissão e de entidades nacionais «independentes ». A alteração de fronteiras dos domínios de competência entre Estados-membros e a União resulta da anexação pela União de domínios de política anteriormente acometidos à responsabilidade dos Estados no âmbito do Procedimento de Desequilíbrio Macroeconómico. A especificação neoliberal do conteúdo das políticas é manifesta não só na selecção de critérios de avaliação e de indicadores, como na discriminação do conteúdo das «reformas estruturais».

O roteiro dos cinco presidentes

Em Junho de 2015, o presidente da Comissão Europeia divulgou um relatório que pretende ser um guião para uma reforma da União Económica e Monetária, que deveria ocorrer em três etapas, entre Julho de 2015 e 2025, e em «quatro frentes»: União Económica, União Financeira, União Orçamental e União Política[1].

A União Económica envolveria: a) um sistema de autoridades de competitividade «independentes» mandatado para «avaliar se os salários estão a evoluir a par da produtividade» e os «progressos realizados nas reformas económicas orientadas para o incremento da competitividade em geral»; b) um Procedimento de Desequilíbrio Macroeconómico reforçado que servisse não só para detectar desequilíbrios como para «encorajar reformas estruturais no quadro do Semestre Europeu»; c) um foco reforçado no desempenho social e de emprego com ênfase na «flexibilização» dos contratos de trabalho, na redução dos direitos dos trabalhadores com contrato de trabalho permanente e flexibilização dos seus salários, na «activação» dos desempregados, na redução dos sistemas de protecção social a mínimos e nas reformas dos sistemas de pensões baseadas no adiamento da idade da reforma; d) uma coordenação mais estreita das políticas económicas obtida com a incorporação na legislação da União Europeia de um conjunto de normas ou padrões sobre «mercado de trabalho, competitividade, ambiente empresarial e alguns aspectos da política fiscal», combinada com o exercício de uma monitorização mais apertada do cumprimento das «recomendações» da Comissão e o sancionamento do seu incumprimento.

A União Financeira envolveria avanços em duas frentes: União Bancária e União de Mercado de Capitais. Quanto à União Bancária, o relatório apela a um acordo urgente quanto ao financiamento do Fundo Único de Resolução (entretanto já obtido) e ao lançamento do Esquema de Seguro de Depósitos Europeu, cuja activação admite vir a ser demorada. A União de Mercado de Capitais envolveria uma uniformização do enquadramento legislativo e a unificação dos mecanismos de supervisão destes mercados tendente à sua expansão à escala da União.

A União Orçamental envolveria, numa primeira fase, um reforço dos mecanismos disciplinadores previstos nos «Six Pack» e «Two Pack», incluindo a constituição de um Conselho Orçamental Europeu a que incumbiria coordenar os Conselhos de Finanças Públicas nacionais na avaliação do desempenho orçamental dos governos e, numa segunda fase, uma «função de estabilização», cujo propósito seria viabilizar o funcionamento dos estabilizadores macroeconómicos em contexto de «crise muito grave». O acesso de cada Estado-membro a esta «função de estabilização» estaria condicionado pelo seu sucesso ou insucesso no processo de convergência para os padrões comuns estabelecidos no quadro da União Económica.

A União Política designa um conjunto de propostas que envolvem «diálogos» no quadro do Semestre Europeu entre o Parlamento Europeu, a Comissão, o Conselho e o Eurogrupo, assim como entre o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais, a par de interacções mais frequentes entre a Comissão e os parlamentos nacionais. Envolve ainda propostas de unificação da representação externa da «zona euro», e a de integração de arranjos intergovernamentais (Pacto para o Euro Mais, Tratado Orçamental e Mecanismo Europeu de Estabilização) na ordem jurídica da União Europeia.

O Relatório dos Cinco Presidentes reforça e projecta no futuro a «despolitização» e a remoção de fronteiras entre áreas de política atribuídas à União e aos Estados-membros e a orientação neoliberal das políticas. Confirma a intenção, por parte dos círculos que determinam o conteúdo dos «consensos» europeus, de procurar conter a implosão do edifício, instituindo uma governação à distância musculada, embora desprovida quer de recursos financeiros, quer de legitimidade democrática.

A união a várias velocidades

A par dos guiões «oficiais», as lideranças europeias parecem estar envolvidas na consideração de alternativas «não oficiais». Entre elas conta-se a de uma União Europeia em círculos concêntricos, constituída por um «núcleo duro», de composição indefinida, mas sempre menor do que a actual zona euro a 19 países, e várias periferias a que corresponderiam diferentes níveis de integração.

A ideia, cuja formulação pública mais recente é do ministro italiano dos Negócios Estrangeiros, Paolo Gentiloni Silveri, tem antecedentes recentes e remotos. Anteriormente, em Julho de 2015, a ideia de «núcleo duro» foi aventada pelo presidente francês François Hollande e pelo seu ministro da Economia de então, Emmanuel Macron, e especificada quanto aos países que integrariam esse núcleo – «França, Alemanha, Itália, os países fundadores (da União Europeia)…» – pelo primeiro-ministro francês, Manuel Valls.

Na realidade, estas ideias não são exclusivas de socialistas franceses. Em 1994, o então primeiro-ministro conservador Edouard Balladur já havia defendido uma Europa construída em três círculos. Tão pouco são as propostas de «vanguarda» e de «múltiplas velocidades» uma singularidade francesa. Em 1994, o Grupo Parlamentar da CDU/CSU apresentou no Parlamento Federal alemão um manifesto da autoria do seu presidente de então, Wolfgang Schäuble, onde se propunha que o processo de integração passasse a ser liderado por um «núcleo duro» constituído por cinco países (a Alemanha, a França, os Países Baixos, a Bélgica e o Luxemburgo).

As propostas de «núcleo duro» e de «duas velocidades» tendem a emergir recorrentemente, associadas à ideia de aprofundamento da integração, normalmente em vésperas de negociações que envolvem reconfigurações profundas da arquitectura institucional da União Europeia, suscitando invariavelmente reacções de indignação por parte de porta-vozes de países que se veriam excluídos. É difícil determinar se estas propostas, nas suas diversas formulações, correspondem a intenções genuínas dos seus proponentes. Mas a verdade é que as propostas de «núcleo duro» e «pelotão da frente» estão de novo em circulação, podem irromper quando menos se espera, articuladas com o imperativo de aprofundamento da União, no debate acerca da reconfiguração futura da União Europeia decorrente do «Brexit».

Queremos ir no pelotão da frente?

Se tais propostas vierem a prevalecer, Portugal ficará colocado perante uma situação dilemática muito difícil. Caso insista em bater-se por integrar o «núcleo duro», dando largas à obsessão pela participação no «pelotão da frente» que nos levou à adesão ao euro, terá de sujeitar-se a um enquadramento político, ideologicamente condicionado e sustentado em mecanismos disciplinares reforçados. Se procurar, ou aceitar, ficar fora dele, sujeitar-se-á a um enquadramento semelhante e ainda a usar como sua uma moeda (o euro) que passa a ser mais do que nunca gerida em função dos interesses e necessidades de um «núcleo duro» em que nem sequer participa.

Devemos então tornar mais audível a pergunta que não foi feita antes da adesão ao euro: «Queremos mesmo ir no pelotão da frente?»…

Não nos serve a governação à distância e o seu reforço no quadro de uma união reformulada na linha do relatório dos presidentes, com ou sem pelotão da frente – por esse tipo de União instituir uma condicionalidade permanente que nunca estaria saciada com a redução conseguida dos «custos do trabalho» e os recuos verificados na provisão pública de educação, saúde e pensões de reforma. Não nos serve também sermos excluídos das decisões tomadas no pelotão e ao mesmo tempo sermos sujeitos ao euro.

Mas isso não significa que Portugal não possa reconhecer a outros Estados o direito de aprofundarem em conjunto a «governação económica», seja num «núcleo duro», seja num «pelotão da frente», desde que esse «núcleo duro» se dote de uma moeda própria e se institua uma taxa de câmbio flexível, possivelmente dentro de bandas de flutuação, entre essa nova moeda e o euro.

Não me digam que temos de ir no pelotão da frente. Admitam pelo menos a discussão de alternativas.

Arquivo daqui

Portugal na imprensa estrangeira - "Tras los jesuitas de Scorsese en Lisboa"


Martin Scorsese, con su película Silencio, ha traído a la actualidad las aventuras y penurias de los jesuitas que salían de Portugal para cristianizar Asia, África y América a partir del siglo XVI. Lisboa guarda bastantes vestigios de aquella época, pues incluso se considera que fue en la capital portuguesa donde se creó el embrión de la Compañía de Jesús, que se extendería por el mundo entre los siglos XVII y XX. El nombre de Xavier es bastante frecuente en Portugal, e incluso hay quien defiende que era portugués.

"Going underground" - Terence Renaud


Subterranean metaphors have been a powerful tool of political resistance. Today, is there anywhere left to hide?

Sahara - “Estamos cercados por um muro de indiferença”


Anseiam pela liberdade mas por enquanto enfrentam a discriminação, a violência e a prisão. Lutam por um futuro diferente pautado pela dignidade e pelo respeito dos seus direitos. Sabem que o caminho tem muitos obstáculos mas isso não os faz desistir.

"O povo saharaui não suporta mais sofrimento”

É muito duro viver num país ocupado, sofrendo diariamente violações dos direitos humanos, detenções, torturas e maus tratos . Este país está submetido a um bloqueio militar e informativo.

O Sahara Ocidental está sob colonização há 40 anos por causa dos interesses económicos dos países aliados de Marrocos, como a França e Espanha.

Na minha opinião, os meios de comunicação social podiam e deviam ter um papel fundamental para romper este bloqueio informativo e assim mostrar ao mundo o que está a acontecer nesta região do mundo mas esta é uma zona fechada aos jornalistas e aos observadores independentes e somos nós que desempenhamos esse papel e por essa razão somos vítimas da violência das autoridades marroquinas.

Gostaria de pedir às instâncias internacionais que se empenhem mais na resolução deste conflito porque o povo saharaui não suporta mais sofrimento”. (Ahmed Ettanji, 28 anos, nasceu em El Aaiun, capital do Sahara Ocidental ocupado).


“Todas as famílias saharauis têm um membro que está preso ou desaparecido”
O que vou contar é tudo aquilo que se passou comigo desde os 7 anos quando andava na escola. Antes de entrar no estabelecimento de ensino obrigavam-nos a cantar o hino nacional marroquino e quando entravámos na sala de aulas o professor tratava-nos de forma diferente em relação aos meninos marroquinos, porque tinha uma atitude racista em relação a nós. Por causa dessa situação começamos logo em crianças a pensar porque é que existe essa diferença e aí nascem todas as dúvidas.

Na rua se uma marroquina discute com uma saharaui, a marroquina chama-lhe logo "saharaui, a suja da Polisário". As ruas estão sempre cheias de militares e policias à paisana. A partir daqui vamo-nos apercebendo que a nossa terra está ocupada. Percebes também que todas as famílias saharauis têm um membro da família que está preso ou desaparecido.

Quando passei para a escola secundária as coisas mudaram. Um dia o professor disse-me: "Se faltares à escola, não há problema, eu dou-te na mesma uma boa nota". Mas ele dizia isso para que eu não tivesse estudos e cultura, como fez Hassan II com os saharauis em 1988 e 1989 levando-os para o Norte de Marrocos. Se tivessem estudado, poderiam ter sido engenheiros ou jornalistas, mas Hassan II destruiu-lhes a vida hipotecando-lhes desde muito cedo o futuro.

Esta política é exercida por Marrocos com os saharauis desde que ocupou o Sahara em 1975. Desde essa altura percebemos que Marrocos não quer que os saharauis tenham cultura, nem estudos e nenhum cargo importante na sua terra.

Esta situação manteve-se até 2005, quando não podias dizer que eras saharaui nem mesmo perguntar por algum filho que estivesse preso. A partir desse ano, no entanto, as coisas mudaram e começaram as Intifadas, as manifestações e as concentrações e o regime marroquino teve de se habituar a viver com esta situação.

Eu fui preso conjuntamente com outros jovens seis dias depois da Intifada da Indepedência que ocorreu em maio de 2005. Fomos torturados de uma forma horrível. A mim, partiram-me o braço esquerdo. Nao me prestaram assistência médica. Continuaram a torturar-me de uma forma que não consigo explicar... Fui vendado e algemado, torturaram-me na esquadra. Pedi para me levarem ao médico porque precisava de uma operação, mas não deixaram.

Ainda na esquadra da polícia, continuaram a torturar-me e a interrogar-me. Fui julgado e condenado a quatro anos de prisão. Estive 25 dias na “Carcel Negra” e graças a muitas concentrações e apoios da minha família e do povo em geral, levaram-me para o hospital, onde fui operado para me colocarem uma peça de metal no braço. Passei dois meses no hospital com uma mão engessada e a outra alegamada à cama e por isso não me conseguia mexer.

Ao fim de nove meses de prisão e graças à pressão exercida por várias organizações internacionais que apoiam o povo saharaui, saímos em liberdade.

Desde esse momento vivo permanentemente vigiado e tentam intimidar-me, seja na rua ou no café. A casa da minha família também está vigiada bem como a de todos os meus compatriotas.

A situação mudou e El Aaiun passou a estar cercada, como se fosse uma zona militar. Por este, oeste, sul e norte...enfim em todo o lado. Até em frente às escolas há militares, os meninos de sete anos entram e saem da escola vigiados por militares. (Husein Endour, 37 anos, nasceu na cidade de El Aaiun).


“A colonização serve os interesses de alguns países”
Os meus sentimentos asfixiam-me e a esmagadora maioria das pessoas no meu país está como eu e sente o mesmo. E isso explica bem o domínio que o regime marroquino exerce sobre nós não nos deixando sequer crescer em termos demográficos. Pessoalmente, não sinto ódio nem vontade de vingança contra os marroquinos, mas estou naturalmente contra a ocupação Sahara Ocidental.

Penso que a descolonização ainda não se fez por falta de vontade política da comunidade internacional que não obriga as autoridades marroquinas a ter respeito pela liberdade do nosso povo por causa dos interesses estratégicos e económicos que alguns países membros do Conselho de Segurança da ONU têm com Marrocos.

O papel dos meios de comunicação social é muito importante para dar visibilidade à nossa causa. Se a nível internacional a opinião pública estiver bem informada sobre aquilo se passa terá capacidade para influenciar o curso dos acontecimentos levando a que os Governos dos seus países deixem de apoiar Marrocos. Neste momento, estamos ainda cercados por um muro feito de indiferença.

Sou ativista da causa saharaui e acredito que o futuro será bom se Marrocos cumprir os seus compromissos e deixar o povo decidir livremente através de um referendo justo e transparente.

Em relação à comunidade internacional lamento que ao fim de 26 anos de presença da MINURSO no Sahara Ocidental não se vejam ainda resultados positivos e também por isso os saharauis continuam em sofrimento seja porque muitos são obrigados a viver separados dos seus familiares ou porque se sentem indignados com o roubo dos bens da sua terra. Precisamos de ser respeitados e por isso peço que ajudem este povo que age com princípios. (Amina, 43 anos, nasceu e Ouarzazate e vive em El Aaiun).


“É preciso mostrar o rosto ensanguentado da monarquia totalitária marroquina”

A maioria dos marroquinos são utensílios da ocupação marroquina com os civis forçados a estar na linha da frente. Marrocos criou um estado de ódio mútuo entre marroquinos e saharauis

E isto acontece porque a França não tem garantidos os seus objetivos económicos e estratégicos, e também porque o status-quo existente até ao momento define o nosso futuro. Por outro lado, há ainda que ter em conta a falta de seriedade dos membros não-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mais concretamente o grupo de amigos dos responsáveis máximos da ONU para o Sahara Ocidental.

É bom que se saiba também que a maioria dos órgãos de informação têm medo de mostrar a realidade; daí a proibição de entrada de jornalistas e observadores que não estão comprometidos com a colonização.

A imprensa que não está prisioneira tem ajudado a mostrar o rosto ensanguentado da monarquia totalitário marroquina. Assim, precisamos de meios que consigam chegar ao interior dos centros de tortura e às prisões para que as práticas desumanas dos torturadores marroquinos contra os presos políticos saharauis não continuem a ser escondidas.

Em relação ao futuro, penso na paz e liberdade do povo saharaui e ao mesmo tempo na guerra que vai deixar tantos órfãos, viúvas e tragédias para os saharauis e para os marroquinos porque os únicos que tiram proveito desta tragédia são o rei e aqueles que gravitam à sua volta.

Perante a realidade que vivemos, espero que a comunidade internacional e as Nações Unidas façam uma autocrítica sobre a forma como têm tratado a questão do Sahara Ocidental, e não continuem reféns da enganosa publicidade e atitude de Marrocos - falsidades tais como a CORCAS e comités regionais dos " direitos humanos " - e, finalmente, a mentira do investimento e desenvolvimento no Sahara Ocidental. É preciso dizer que estas iniciativas são uma farsa destinada a prolongar a ocupação e a pilhagem dos recursos naturais do povo. (Sidi Mohamed Fadel Bakka, 42 anos, vive em El Aaiun).


segunda-feira, 13 de março de 2017

"Gertrude Bell, la meilleure ennemie des Arabes" - Emmanuel Gehrig


Longtemps oubliée par la mauvaise conscience coloniale, la Britannique retrouve sa place parmi les grandes exploratrices du XXe siècle. Son rôle dans la fondation de l’Irak fait d’elle une des plus importantes femmes d’influence de son temps.

"The Most Influential Images of All Time" - 8: Richard Drew


Falling Man - Richard Drew

The most widely seen images from 9/11 are of planes and towers, not people. Falling Man is different. The photo, taken by Richard Drew in the moments after the September 11, 2001, attacks, is one man’s distinct escape from the collapsing buildings, a symbol of individuality against the backdrop of faceless skyscrapers. On a day of mass tragedy, Falling Man is one of the only widely seen pictures that shows someone dying. The photo was published in newspapers around the U.S. in the days after the attacks, but backlash from readers forced it into temporary obscurity. It can be a difficult image to process, the man perfectly bisecting the iconic towers as he darts toward the earth like an arrow. Falling Man’s identity is still unknown, but he is believed to have been an employee at the Windows on the World restaurant, which sat atop the north tower. The true power of Falling Man, however, is less about who its subject was and more about what he became: a makeshift Unknown Soldier in an often unknown and uncertain war, suspended forever in history.

domingo, 12 de março de 2017

"Geração à rasca" - 12/03/2011


Livro recomendado - "O Labirinto dos Espíritos"


"Yarbird"



"Obstinação europeia" - Serge Halimi

«A experiência é uma escola severa, mas nenhuma outra poderá instruir os imbecis.» Tendo morrido em 1790, Benjamin Franklin, que inventou o pára-raios, não podia ter previsto a existência da União Europeia… Uma União cujas experiências não têm qualquer efeito sobre a sua instrução.

Quando consultados directamente, os povos ocidentais rejeitam o comércio livre; no entanto, o Parlamento Europeu acaba de aprovar um novo tratado, desta vez com o Canadá. As suas principais disposições deverão aplicar-se de imediato à eventual ratificação dos Parlamentos nacionais. Uma segunda experiência teria instruído imbecis, mesmo os empedernidos. A Grécia, sangrada desde Maio de 2010 por «remédios» cavalares do Eurogrupo, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, está perto de voltar a incumprir pagamentos. Apesar disso, continuam a ser usadas seringas sujas no seu corpo coberto de equimoses, enquanto se aguarda que a direita alemã decida expulsar Atenas do hospital de campanha da zona euro. Um último exemplo? Os orçamentos sociais estão sob pressão em vários Estados da União, que rivalizam já em imaginação para pagar menos aos desempregados e para deixar de cuidar dos estrangeiros. Na mesma altura, contudo, todos parecem concordar em aumentar as verbas militares, de modo a responder à «ameaça russa», apesar de o orçamento da Defesa deste país representar menos de um décimo do dos Estados Unidos.

Terá o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, finalmente compreendido o carácter indefensável destas prioridades? Inspirando-se na sabedoria do seu amigo François Hollande, veio anunciar que não seria candidato a um segundo mandato. Quando assumiu funções, Juncker advertiu que a sua Comissão seria «a da última oportunidade». Ora, neste momento, ele dedica «várias horas por dia a planear a saída de um Estado-membro». É compreensível que ainda recentemente tenha suspirado e dito: «Não é um ofício de futuro».

Em 2014, Juncker, candidato da direita europeia até então conhecido pela sua defesa do paraíso fiscal luxemburguês, tornou-se presidente da Comissão graças ao apoio de uma maioria dos parlamentares socialistas europeus. «Não sei o que nos distingue», confessava na altura o seu concorrente social-democrata Martin Schulz. «Schulz adere em grande parte às minhas ideias», admite, em resposta, Juncker. Uma mesma proximidade ideológica explica o voto, a 15 de Fevereiro último, do tratado de comércio livre com o Canadá: a maioria dos eurodeputados sociais-democratas formou bloco com os liberais.

No caso da Grécia, a recusa alemã de discutir o montante – que no entanto é insustentável – da dívida de Atenas foi apoiada pelo governo socialista francês. E difundida com uma arrogância próxima do fanatismo pelo presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, um trabalhista neerlandês.

Em período eleitoral fala-se muitas vezes de «reorientar» a União Europeia. O objectivo é louvável, mas convém que ele seja instruído pela experiência. É ela que permite identificar aqueles com quem seria melhor não se contar, de modo a evitar mais uma desilusão numa frente de que quase tudo o resto depende.

quarta-feira, 8 de março de 2017

"Ces villages autogérés de Kabylie"


En Kabylie, l’aide publique faisant défaut, beaucoup de villages ont appris à se prendre en charge au fil du temps. Avec un système social d’autogestion bien rodé, ils peuvent aujourd’hui subvenir à leurs besoins élémentaires, ils ont réalisé plusieurs projets, devenant un exemple en matière de lutte pour l’environnement. El Watan Week-end s’est rendu dans certains de ces villages et a rencontré leurs comités.

"Putin’s Dance with the Taliban" - Brahma Chellaney


Russia may be in decline economically and demographically, but, in strategic terms, it is a resurgent power, pursuing a major military rearmament program that will enable it to continue expanding its global influence. One of the Kremlin’s latest geostrategic targets is Afghanistan, where the United States remains embroiled in the longest war in its history.

Dia Internacional da Mulher - Lettre d’Anne Frank à Kitty


Dans son incroyable Journal Anne Frank offre à l’humanité l’un des témoignages historiques les plus poignants de la condition des Juifs pendant la Seconde Guerre Mondiale. À l’origine, le texte est une collection de lettres qu’elle écrivit à son amie imaginaire Kitty pendant qu’elle et sa famille se cachaient de l’Occupation nazie. Naturelles et lucides, ses pages rédigées dans le secret et la crainte sont parfois l’occasion de réflexions qui dépassent les soucis de la guerre. En témoigne cet extrait à propos de la condition féminine.

A plusieurs reprises déjà, une des nombreuses questions que je me pose est venue tourmenter mes pensées, pourquoi par le passé, et souvent aussi maintenant, la femme a-t-elle occupé une place beaucoup moins importante que l’homme dans la société ? Tout le monde peut dire que c’est injuste mais cela ne me satisfait pas, j’aimerais tant connaître la cause de cette grande injustice !

On peut concevoir que l’homme, grâce à sa plus grande force physique, a depuis le départ exercé sa domination sur la femme ; l’homme gagne sa vie, l’homme engendre les enfants, l’homme a le droit de tout faire… Il faut dire que les femmes sont idiotes de s’être tranquillement laissé imposer cette règle jusqu’à récemment car plus celle-ci se perpétue à travers les siècles, plus elle s’enracine. Heureusement, les femmes ont quelque peu ouvert les yeux grâce à l’école, au travail et au développement. Dans beaucoup de pays, les femmes ont obtenu l’égalité des droits ; beaucoup de gens, des femmes surtout mais aussi des hommes, s’aperçoivent maintenant à quel point cette division du monde, en place depuis si longtemps, était injuste, et les femmes modernes exigent des droits pour parvenir à une indépendance totale !

Mais cela ne suffit pas, le respect de la femme, voilà ce qu’on attend encore ! De manière générale, dans toutes les parties du globe, l’homme suscite l’admiration ; pourquoi la femme n’a-t-elle pas le droit de bénéficier, en priorité, d’une part de cette admiration ? […]

Je ne veux absolument pas dire que les femmes doivent s’opposer à mettre des enfants au monde, au contraire, la nature est ainsi faite et c’est sans doute très bien comme cela. Je condamne simplement les hommes et tout le fonctionnement du monde, qui n’ont jamais voulu prendre conscience du rôle important, difficile mais en fin de compte magnifique, lui aussi, que joue la femme dans la société. […]

Je pense que la conception selon laquelle la femme a le devoir de mettre les enfants au monde se modifiera au cours du prochain siècle et fera place à du respect et de l’admiration pour celle qui, sans renâcler et sans faire de grandes phrases, prend de tels fardeaux sur ses épaules.