quarta-feira, 11 de maio de 2011

"O moço de recados"


Certo rapaz, moço de recados ao serviço de um padeiro, roubava a este farinha para a levar à mulher amada, como sinal de delicada atenção. Encantador amor, cativante delito, engenhoso furto. O rapaz acabou por ser descoberto nos seus galantes afãs e levado para a prisão. Os severos juízes apiedaram-se dele e condenaram-no a uma pena justa mas ainda assim bastante branda. Pobre e tolo rapaz. Não posso esconder a simpatia que sinto por ele. Como lhe devem ter brilhado os olhos de felicidade nas excitantes ocasiões em que surripiava farinha, e como devia ser doce o sabor do beijo que ele devia e recebia daquela cujos interesses a pequena rapinagem se destinava a servir. Se o romantismo tem cheiro, como uma rosa no seu esplendor, então é este o cheiro que tem, e se há no mundo terno amor, então é aqui, onde se roubou farinha. É simples a pequena história trigueira. Comoveu-me quando a li, e atrevo-me a contá-la ao leitor amigo e benevolente, na esperança de que também ele se comova um pouco. Quantos há que, vestindo-se com fina elegância e tendo olho para as mais subtis diferenças, julgam sentir-se apaixonados, ainda que não fossem capazes nem tivessem a coragem de roubar farinha para a mulher que aos seus olhos é uma deusa, como fez o pobre e tolo moço de recados. O que é ser querido e amado quando comparado com o prodígio florido e gracioso que é o amor próprio? E o que são toda a educação, toda a cultura, sabedoria e fineza quando comparadas com a flor perfumada da sinceridade? Este rapaz, que saiu a correr com um saco roubado para fazer uma surpresa à mulher amada, era grande, ao roubar farinha, pois era sincero; era simpático, ao roubar farinha, pois era intrépido; era imensamente gentil, ao roubar farinha, pois agia por genuína candura e por amor. Lembra-te com benevolência do pobre rapaz, leitor amigo, peço-te. Vais lembrar-te dele, não vais?

Robert Walser

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