quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

"Saúde - em estado de insuficiência económica"

Quando no projecto neoliberal se fala em cortar as “gorduras do Estado” não tenhamos dúvidas que se está a falar de saúde e educação, embora para o público em geral seja compreendido como referido à Administração Central. É um dos equívocos. A grande fundadora Margaret Tatcher esteve quase a desmantelar grandes hospitais do serviço público inglês como o Hammersmith, se não tivesse havido um movimento internacional de salvaguarda.

Saiu agora o decreto-lei sobre as taxas moderadoras. Já saiu a 29 de Novembro e entra em vigor a 1 de Janeiro de 2012. Toda a discussão pública está a ser posterior. São aí definidos como tendo insuficiência económica os utentes cujo rendimento médio familiar “seja igual ou inferior a uma vez e meia o valor do indexante de apoios sociais” Ou seja, só é “insuficiente” aquele que pertencer a um agregado familiar cujo rendimento mensal seja inferior a 628 euros e 83 cêntimos, de acordo com o cálculo que está a ser feito pelos Serviços Sociais da Saúde. Tal definição vale para as taxas moderadoras e para o pagamento de transportes não urgentes. Por exemplo, um casal em que qualquer dos dois ganhe o ordenado mínimo, 485€, e cuja existência é feita de milagres – renda, água, luz, transportes – tem que pagar taxa moderadora se ousar ir a um serviço público de saúde e deverá arranjar dinheiro para pagar o transporte. Com as alterações já em vigor temos observado falta de doentes às consultas hospitalares, que atribuímos a falta de dinheiro para os transportes. Talvez a partir de 1 de Janeiro se aliviem então as listas de espera...

E a partir dessa data assistiremos também a que os que são “suficientes” (acima dos 628€ para toda a família) paguem 20 € por uma ida à urgência e 5 euros por uma consulta. E aqueles que dizem que o pagamento das taxas está a moderar a ida à urgência e a desviar para os Centros de Saúde, está a falar da “Alice no país das maravilhas.” Os cuidados primários não têm capacidade para receber. Essa capacidade tem diminuído e não se vê projecto concreto de unidades locais de saúde. Há apenas afirmações genéricas, discursos de invenção da roda, que qualquer pessoa assina por baixo. Mas que tem um efeito demagógico para quem estiver fora o assunto.

A crueza dos números ao nível do utente é esta. Parece que estamos apenas a ver um detalhe, um pormenor. É preciso é ver “o todo”. Mas é isto que vai atingir milhões de pessoas. São os números pequeninos... Depois há os números muito grandes, os dos hospitais e esses também serão eles próprios insuficientes.

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P.S. Posteriormente à saída deste decreto-lei e ao anúncio das subidas de tabelas das taxas moderadoras para 20€ na urgência hospitalar e 5€ na consulta no centro de saúde, saíram tabelas que indicam o pagamento de exames auxiliares de diagnóstico na urgência (que são pedidos quase sempre) podendo o custo total chegar a 50€. A consulta de especialidade hospitalar terá o custo de 10€, a ida à urgência no centro de saúde custará 10€, a ida à urgência no centro de saúde vai custar 10€.

Tendo o Ministro de Saúde dito no programa Prós e Contras que 5 milhões de portugueses não pagarão taxas moderadoras, isto inclui as crianças até aos 12 anos que estão excluídas das taxas, os doentes oncológicos em sessões de quimioterapia e outras situações mais específicas. Os restantes serão pertencentes a agregados familiares com menos de 628€ mensais, o que nos indica que estes abrangem alguns milhões de pessoas, dando-nos a dimensão da pobreza em Portugal. Mas entre os que irão pagar porque estão acima do escalão, situam-se muitos que vivem na fronteira da pobreza e para os quais estes pagamentos se transformam num verdadeiro bloqueio de utilização do Serviço Nacional de Saúde, que deveria ser gratuito e que funciona na base do Orçamento Geral do Estado e portanto dos impostos.

Um texto de Isabel do Carmo publicado em Entre as brumas da memória

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