segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Mais uma da Justiça portuguesa


O Tribunal da Relação de Lisboa deu razão a um hotel que despediu um cozinheiro infectado com VIH, considerando que ficou provado que há risco de transmissão do funcionário para os clientes.

Segundo o acórdão, os magistrados concluem que o cozinheiro representaria um perigo para a saúde pública caso continuasse a exercer.

Para o Tribunal da Relação, "ficou provado que [o cozinheiro] é portador de VIH e que este vírus existe no sangue, saliva, suor e lágrimas, podendo ser transmitido no caso de haver derrame de alguns destes fluidos sobre alimentos servidos ou consumidores por quem tenha na boca uma ferida".

A situação envolve um cozinheiro do quadro do hotel do Grupo Sana Hotels, que lá trabalhou durante sete anos.

Em 2002 adoeceu com tuberculose, esteve um ano de baixa e quando regressou ao trabalho foi mandado ao médico do trabalho do hotel que pediu ao médico assistente mais dados sobre a situação clínica.

O médico assistente informou o colega da medicina do trabalho que o cozinheiro era VIH positivo, mas que não representava qualquer perigo para os colegas e poderia retomar a sua actividade em pleno.

No entanto, o médico do trabalho considerou-o "inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro".

De acordo com o jornal Público, os vários peritos contactados, tanto médicos como do meio judicial, olham com perplexidade para a decisão e justificação usada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que repete os argumentos do Tribunal de Trabalho de Lisboa.

José Vera, responsável pela unidade de tratamento de HIV/sida do Hospital de Cascais, diz estar-se em presença de "mentalidade da Idade Média" e "preconceito no poder judicial". "O acórdão desprestigia o país e quem o emite." José Vera afirma que "ninguém pode saber tudo e é para isso que há órgãos técnicos". Ignorar um parecer do Centro de Direito Biomédico "é querer continuar a ser ignorante".

A professora de Direito da Saúde na Escola Nacional de Saúde Pública (Lisboa), Paula Lobato de Faria, afirma que a decisão da Relação "pode ser considerada discriminatória".

O médico do trabalho do Grupo Sana Hotels deu o funcionário como inapto para a função de cozinheiro depois de saber da sua seropositividade pelo seu médico assistente. O hotel despediu de seguida o funcionário mas afirma que não sabia que era portador de HIV. O parecer do Centro de Direito Biomédico, em Coimbra, sobre o caso nota que pode estar em causa "um caso de violação do sigilo profissional".

O presidente do colégio de especialidade de doenças infecciosas da Ordem dos Médicos, António Sarmento, reforça: "Há apenas três vias de transmissão conhecidas e tudo o resto é especulação." Se fosse possível o contágio pelo suor, lágrimas e saliva, "era a desgraça da Humanidade". Os seropositivos não poderiam beijar, partilhar corpos, refeições.

Nem é preciso comentar.

Fonte: Jornal Público

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