terça-feira, 27 de novembro de 2007

Minorias


"Os ignorados do Gujarate"

"Duas filas de casas inacabadas alinham-se numa pequena clareira de Rajgadah, no Estado do Gujarate, no noroeste da Índia. Um painel anunciando “campo de refugiados” está pendurado à entrada, testemunho de uma vontade passada.

Viviam aqui cerca de 40 famílias muçulmanas. Algumas foram expulsas das suas casas, outras preferiram fugir, com medo das perseguições (em Março de 2002, ultranacionalistas hindus cometeram assassínios sistemáticos, de que resultaram mais de mil mortos e milhares de deslocados). Mas, como explica um habitante, Hasibanibi Makrani, a organização não governamental (ONG) que começou a construção teve de parar a obra a meio, devido a uma intervenção política. As primeiras famílias já estavam instaladas nas casas em construção quando os polícias vieram correr com os operários.

Os refugiados pensam que a ONG não estava na posse de todos os documentos necessários para lançar a obra. Há quem pergunte, contudo, se não terá sido o Bhartiya Janata Party (BJP, partido ultranacionalista hindu) que dirige este Estado e que se mostra indiferente ao destino da população muçulmana, a entravar o processo. O carácter ilegal da aldeia bastou para que as forças da ordem privassem estes deslocados de infra-estruturas de base. Temendo pela sua segurança e incapazes de regressar às suas casas, com medo das ameaças dos vizinhos hindus, 11 famílias ficaram em Rajgadah. A sua história repete-se por cerca de 80 aldeias improvisadas, onde se reuniram mais de quatro mil famílias dos Gujarate.

Em Outubro de 2006, um estudo encomendado pela Oxfam (ONG que luta contra a pobreza e a injustiça) revelou que aqueles campos não beneficiam praticamente de nenhuma infra-estrutura pública. E a situação não melhorou desde a sua instalação. Isso acontece, provavelmente, porque não partiram de iniciativas do Governo, que deixa estas pessoas ao abandono. O primeiro reconhecimento oficial da existência desses habitantes data de Junho de 2007, quando lhes deram cartões de eleitor, seguindo recomendações da Comissão Nacional dos Direitos Humanos.

Mas há muito por fazer. As vítimas dos distúrbios quase não receberam compensações. Têm para mais de lutar para sobreviver numa sociedade que os ignora e não quer saber da sua sorte. O mais irónico é que os residentes não possuem sequer títulos de propriedade das suas casas, quando elas foram construídas por empresas muçulmanas, com o apoio de ONG’s. Vivem, pois, sob a ameaça permanente de expulsão.

Após diversas visitas, em Outubro de 2006, a Comissão Nacional para as Minorias elaborou uma lista sobre as inúmeras dificuldades com que se defronta a população destes campos e deu conta disso ao Governo central de Nova Deli. O relatório indicava que não havia qualquer infra-estrutura de base, como acesso a água potável, esgotos, escolas, centros de cuidados de emergência e estradas de acesso.

Os relatores sublinhavam ainda que as autoridades locais nada tinham feito para facilitar o regresso dos deslocados às suas moradias de origem. O inquérito acrescentava que esses refugiados se sentiam “frustrados” por não poderem ganhar as suas vidas e explicava que, antes dos distúrbios, grande parte deles eram comerciantes, artesãos ou empresários, cujos clientes “já não desejam utilizar os seus serviços”.

O exame às casas revelou que vivem numa “pobreza abjecta”. O estudo relata, por fim, o clima de insegurança e hostilidade em que vivem os residentes, nomeadamente devido à intervenção da polícia (que, em 2002, deixou massacrar os muçulmanos sem intervir).

Em Junho passado, uma comissão encarregue pelo Supremo Tribunal de estudar planos nacionais de distribuição de comida revelou que, das 4.545 famílias deslocadas do Gujarate, apenas 725 eram consideradas como estando abaixo do limiar de pobreza (podendo beneficiar de ajuda alimentar). Na verdade, todas se defrontam com uma situação económica desastrosa. A Comissão Nacional para as Minorias pediu ao secretário-geral do Gujarate, Sudhir Mankad, (que se reformou em Agosto de 2007), para prestar explicações sobre as condições de vida catastrófica dos refugiados, reveladas pela Comissão.

Em Agosto de 2007, o Governo do Gujarate reconheceu, pela primeira vez, que 3.600 famílias deslocadas devido aos distúrbios de 2002 viviam ainda em 69 campos temporários. Para Gagan Sethi, administrador da ONG Jan Vikas, que se bate pela justiça social, esse gesto representa uma etapa significativa. Durante cinco anos, as mesmas autoridades não cessaram de negar, incluindo perante o Supremo Tribunal, a existência desses refugiados. Este reconhecimento oficial permite aos residentes fazerem ouvir as suas reivindicações.

Após cinco anos de espera, e seguramente graças à persistência das suas queixas, a minoria muçulmana começa a ver evoluir a situação. A Administração Pública começou a fornecer cartões de racionamento às pessoas que vivem abaixo do limiar de pobreza. Ainda que seja uma evolução importante, Sethi sublinha que “nada tem sido feito para melhorar as infra-estruturas nos campos”. A comunidade não desiste, mas declara que não vai acreditar em novas promessas, a não ser quando se concretizarem nas suas aldeias."

Deepa A - Jornal HIMAL

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